Somos um dos países europeus com maior número de novos casos de covid-19. Enquanto as TV anunciam o regresso da emergência na China devido a um surto de pouco mais de 200 pessoas em Pequim (num país de 1300 milhões de habitantes) falam com normalidade dos mais de 350 casos diários que temos tido em Portugal (sobretudo Lisboa). Enquanto as crianças regressam às escolas em vários países europeus, em Portugal ainda nem sabemos sequer se teremos aulas presenciais em setembro.
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Mas, somos os melhores do Mundo... Temos a fase final da Champions em Lisboa!
Não sou daqueles que desvalorizam este facto e a sua mais-valia para o país. Durante vários dias o país terá uma enorme exposição mediática. O impacto imediato dependerá do número de visitantes que iremos receber, o que dependerá, por sua vez, da possibilidade de público nos estádios (uma decisão que, espero, seja tomada com base numa avaliação séria do risco para a saúde pública, sem qualquer pressão de outra natureza). Mas o maior valor estará na visibilidade que podemos potenciar no futuro. Só que a cobertura mediática pode ser positiva ou negativa... Dependerá de como tudo decorrer, incluindo no controlo da pandemia em Lisboa. Depois de, inicialmente, a Imprensa internacional ter apresentado Portugal como uma caso de relativo sucesso, nas últimas semanas multiplicaram-se as histórias negativas. O primeiro-ministro disse que o elevado número de casos é resultado de testarmos mais do que outros países e que essas comparações internacionais são erradas. Mas a verdade é que há países (como a Dinamarca ou o Luxemburgo) que testam ainda mais que nós e têm menos casos per capita. É verdade, no entanto, que a comparabilidade internacional dos dados é muito duvidosa pois os estados usam diferentes critérios. O que não podemos, no entanto, é usar essa comparação quando nos é favorável e negá-la quando não o é. A realidade é que não estamos nem muito bem nem muito mal: em termos de mortos per capita, Portugal é o 24.oº (o Brasil, de que tanto se fala entre nós, está pouco acima: 18.o). Não devíamos ter vendido a ideia do milagre português, tal como agora também não devemos dramatizar em excesso a situação em que nos encontramos.
Isso leva-me de volta à Champions. É algo objetivamente positivo. Mas não resolve os principais problemas do país. A desproporção entre a importância política que lhe foi atribuída e o valor que tem para o país indicia uma preocupante escala de prioridades. Reflete a tentativa de vender, a propósito de qualquer sucesso e como compensação para todos os nossos os problemas, a ideia de que somos os melhores do Mundo. Não, não somos os melhores do Mundo. Mas deveríamos querer ser! Para isso, temos de trabalhar a partir da realidade.
Professor universitário