Tudo começou quando um amigo me telefonou a perguntar: "que fazes esta noite?", e eu respondi, como devem ter respondido milhões de pessoas por este mundo fora, "fico a ver as eleições americanas na televisão".
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O amigo passou palavra a outro amigo, que passou a outro, que passou a outro - e de repente eu tinha a casa a abarrotar de amigos, todos simpaticamente a abastecerem-me de tinto alentejano e queijos diversos, preparando-nos para uma maratona televisiva.
"Lembram-se do sr. Diamantino de Macau?", perguntou de repente um deles, e ficámos todos a olhar para ele, que fazia Macau naquela anedota, mas ele só se ria e repetia "tenho a certeza de que era Diamantino, do apelido é que eu já não me lembro, só me lembro do pobre do Joaquim Letria a aguentar aquilo, horas e horas, porque nunca mais se conheciam outros resultados, só esse, o primeiro deputado a ser eleito, o deputado por Macau, e o Joaquim perfeitamente à rasca, mas sempre a sorrir, horas e horas em directo só com a notícia do sr. Diamantino já eleito!..."
E, de repente, todos nos lembrávamos.
E, de repente, tínhamos todos voltado aos idos de setenta.
E, de repente, estávamos nas nossas primeiras eleições, as primeiras do resto da nossa vida, as que demoraram a noite inteira e os nossos olhos já vermelhos do esforço de se colarem ao ecrã. Claro que depois descemos por momentos à terra, fomos deitando os olhos pelos vários canais, rimos à gargalhada com o "Daily Show", de que todos nos descobrimos fanáticos admiradores - enquanto as garrafas se esvaziavam e a meia-noite ainda vinha longe.
E fomos ouvindo comentadores, e correspondentes no Kentucky e em Chicago e em Washington e no Quénia, e no Hard Rock Café ali aos Restauradores, que aqui o pessoal também é gente e merece.
E fomos abrindo mais uma garrafa, e dando vivas ao Obama, e à avó do Obama, e aos meios-irmãos do Obama - mas depois havia sempre um de nós que dizia "eh pá, a falta que o Joaquim Letria faz nesta televisão!" - e pronto, lá vinha o sr. Diamantino de Macau, e a risota generalizava-se e já ninguém podia falar doutra coisa e voltávamos ao nosso tempo de há tanto tempo, e tínhamos todos menos 30 anos, e ainda acreditávamos que o Mundo ia ser aquilo que sonhávamos que ele fosse.
Por isso, nesta noite de 4 de Novembro, não foi apenas Obama que ganhou. Foi também a recordação do que há cerca de trinta anos esperávamos que ganhasse.
Obama a ganhar por todos nós. Incluindo, obviamente o sr. Diamantino de Macau.
(E as saudades que todos tivemos de ti, Joaquim!)