O desenvolvimento dos Estados Unidos é atribuído, em parte, à sua capacidade de integrar, de uma forma globalmente virtuosa, a multiplicidade de culturas e impulsos criativos das várias comunidades étnicas e religiosas que acorreram àquele país. O resultado tem sido uma capacidade inovadora sem paralelo no mundo desenvolvido recente.
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Alguns estudiosos, como AnnaLee Saxenian, admitem que esteja em curso uma nova dinâmica que, em certa medida, devolve aos países de origem essa capacidade empreendedora. Fala em novos argonautas. Quadros qualificados, com fortes ligações a empresas americanas, que regressam ao país de origem, deles ou dos seus antepassados. Regressam não para reclamar melhores condições, mas para as criar, numa missão que associa risco e sentido de dever. Regressam não para um emprego estável, mas por terem detectado uma oportunidade e para a aproveitarem. Regressam não para um pedestal, nem exigindo tratamento preferencial, mas para trabalharem com humildade, integrando os que se quedaram pela terra natal. Tudo isto sem perderem, muito pelo contrário, a ligação aos Estados Unidos, onde haviam criado associações e outras instituições que são, agora, pontes que alimentam o intercâmbio. Capitalizam nas relações que lá deixaram, articulando com empresários americanos a sua inserção na divisão internacional do trabalho, dessa forma ganhando um trampolim para a sua entrada nos mercados mundiais. Mesmo que, como é muitas vezes o caso, esses americanos sejam da sua etnia, cultura ou religião. O que começou por ser uma fuga de cérebros transformou-se num ganho de cérebros. A circulação de cérebros, mesmo mais do que a captação e retenção de talentos, é a palavra desta nova ordem que envolve países como Israel, Taiwan, China ou Índia.
Será que poderemos esperar que a nossa comunidade emigrante possa protagonizar algo semelhante? Será que a euforia recente é mais do que mera espuma mediática? Há hoje uma nova geração de emigrantes, mais qualificada e cosmopolita. Com a chegada da democracia às universidades, passou-se a investir na formação, muita dela feita no estrangeiro. Nos anos recentes, uma percentagem substancial dos bolseiros não regressou. A mobilidade das pessoas tornou-se mais fácil, aumentando quem procura emprego fora. O programa Contacto/InovContacto propiciou, a mais de dois milhares de jovens licenciados, uma experiência em empresas multinacionais. E, mais uma vez, uma parte deles por lá ficou. Enquanto isso, entre os próprios emigrantes de primeira e segunda gerações, houve quem se estabelecesse e abalançasse na experiência empresarial. Será esta uma base suficiente? Haverá organizações de nacionais no estrangeiro com estrutura capaz de virem a ser mediadores entre as comunidades empresariais locais e as que venham a ser criadas em Portugal? Haverá uma inserção em redes internacionais que permitam replicar um modelo semelhante por cá? Terá quem esteja a ponderar regressar o mesmo empenhamento e humildade que atrás se descreveu?
Se colocarmos as questões certas, evitaremos mais uma euforia sebastiânica, e talvez contribuamos para criar as condições que permitam aos emigrantes, novos e antigos, ter uma palavra a dizer sobre o nosso futuro.