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A caminho de ter 40 mil cidadãos estrangeiros, o Porto é hoje uma cidade multilingue e multicultural como em nenhum outro momento da sua longa história. A "sociedade fechada em pequenos baluartes" de que falava Ruben A., ou o burgo que, com a sua "alma de muralha", resistia "a pertencer ao século", de Agustina, é já uma memória longínqua.
Um em cada seis alunos a frequentar as nossas escolas é de 19 nacionalidades diferentes. Qualquer turma do Primeiro Ciclo é hoje uma Babel em miniatura. O Porto vindouro já não é pensável sem as crianças estrangeiras. As mundividências de que estas são depositárias, por via dos pais, vão modelar a identidade portuense e torná-la uma identidade compósita.
É insólito que aqueles que desejam governar a cidade nos próximos quatro anos evitem discutir um fenómeno que está a reconfigurá-la e que a tornará, inevitavelmente - e brevemente -, numa outra cidade.
Desvalorizar a refundição demográfica, social e cultural em curso, vê-la como um apêndice, uma circunstância fortuita, é um erro crasso. Fugir ao tema no contexto da presente campanha - ou, pior ainda, pô-lo ao serviço da excitação securitária - é imperdoável. A fuga teve a bênção dos jornalistas, que abdicaram de perguntar aos candidatos como pretendem relacionar-se com estes 40 mil portuenses; como se propõem servir de mediadores entre eles e os "naturais"; o que farão para vencer as barreiras linguísticas existentes e para melhor conhecer - e dar a conhecer - estas pessoas. O desconhecimento leva à incompreensão e esta leva à hostilidade. No limite, leva à violência.
A seu tempo, com pedagogia, a identidade portuense irá incorporar a alteridade e escapar, assim esperamos, às armadilhas do essencialismo e às liturgias da autenticidade. Só que a classe política local parece impreparada para debater o fenómeno. Pudemos constatá-lo quando a proposta de Rui Moreira de facilitar a construção de duas mesquitas se estatelou no preconceito de uns e no silêncio de outros.
Discute-se agora se o Porto tem gente a mais ou gente a menos... Uma coisa é certa: o Porto tem gente nova. Fingir que ela não existe é quase tão irresponsável quanto sugerir que ela anda por aí a molestar os "verdadeiros" portuenses.