Corpo do artigo
Dizia-se antes que a língua era de prata e o silêncio de ouro. Falar bem era bom, mas o silêncio prudente, esse é que era! Pois agora, olhando à prática recorrente de alguns dignitários europeus, parece que esse é chão que deu uvas. Primeiro, porque falam como picaretas; depois porque, normalmente, só sai asneira. Das coscuvilheiras se dizia que eram mulheres de soalheiro. Punham-se nas aldeias à janela e ao sol, e ali debitavam maldades e intriguices.
Sabia bem ser sexista, e dizer que eram as mulheres, as de soalheiro. Sabia, sim senhor. Sabia: porque, agora, fale-se mas é dos homens de soalheiro, e ao mais alto "nível" (ou à mais alta falta de nível).
O presidente da Comissão Europeia, por exemplo, devia ser um cavalheiro recatado. Pois devia, mas não é. Jean-Claude, é bem sabido, até gagueja quando o tema é o das golpadas fiscais que abençoou enquanto dirigiu o Luxemburgo. Mas, pondo-se-lhe um microfone à frente, logo se lhe soltam a língua e o espírito, se o tópico for o tricô das reuniões europeias.
O senhor, veja-se lá, "revelou" a um jornal belga que os líderes de Portugal, Espanha e Irlanda tinham exigido que ninguém falasse de perdão à Grécia antes das eleições nos seus países. É verdade? Cada um faça o seu juízo. Eu fiz o meu, depois de o presidente vir garantir que era mentira, porque imediatamente disse com os meus botões: ó diabo, é mesmo verdade!
Porém, a questão de fundo não é essa. É, antes, a de que o senhor Juncker não tem o direito de vir semear a cizânia e contar a "sua" versão sobre tomadas de posição de quem quer que seja em reuniões fechadas de chefes de Governo ou de Estado. Infelizmente, representantes ou dignitários ao mais alto nível mostram-se incapazes de mandar na língua respetiva, debitam palavras como tontos, servem-se das redes sociais como armas brancas, mandam bocas ou fazem "anúncios" como viciados a precisar da dose de relevância pobretana.
Altos responsáveis? Não, altos irresponsáveis. Os novos homens de soalheiro são-no à frente de microfones. É mais chique do que as antigas mulheres de soalheiro, mas as consequências são piores. Pior, aliás, só o ministro das Finanças alemão a contar lições da avó que misturam benevolência e devassidão: fico logo com arrepios na espinha. E um bocadinho enjoado.
O presidente da Comissão Europeia devia ser um cavalheiro recatado. Pois devia, mas não é. Jean-Claude [...], pondo-se-lhe um microfone à frente, logo se lhe soltam a língua e o espírito, se o tópico for o tricô das reuniões europeias.
*PROFESSOR UNIVERSITÁRIO