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É uma tendência bem portuguesa esta de, perante um determinado desejo ou objetivo, darmos um passo maior do que a perna. Exemplo atual e doloroso: o Governo, na ânsia de mostrar serviço e ganhar credibilidade externa, quis ir além dos draconianos esforços que a famigerada troika já nos havia imposto. Deu no que deu. O exagero no pulo resulta, normalmente, de duas coisas: exagero na ambição e/ ou desconhecimento da realidade.
Se olharmos para algumas das nossas cidades percebemos bem como, cometendo o erro clássico de quererem agarrar desafios maiores do que as suas capacidades, se tornaram ou ingovernáveis, ou inabitáveis, ou desagradáveis, ou simplesmente detestáveis. Uma cidade, como diz o professor José Mendes, vice-reitor da Universidade do Minho, deve ser vista como uma incubadora. Quer dizer: é fundamental saber, olhando para o que o território oferece, ou pode oferecer, quais são as suas verdadeiras mais--valias e de que forma podem elas ser exponenciadas.
A tipologia usada por José Mendes aponta cinco caminhos para as cidades do futuro: a cidade pode ser intelectual, inovadora, conectada, sustentável ou autêntica, explicou o professor num fórum sobre Biodiversidade promovido pela Câmara de Vila Real, na passada sexta-feira. Quando muito, a cidade pode agarrar-se a dois destes objetivos. Querer ser tudo ao mesmo tempo não costuma dar bom resultado. Lá está: o passo maior do que a perna.
Recordei isto quando, na tarde do mesmo dia, assisti à inauguração da Feira do Folar de Valpaços (a minha terra). O evento começou há 15 anos num local esconso. Hoje, atrai cerca de 80 mil pessoas durante três dias e proporciona negócios no valor de 1,5 milhões de euros. Valpaços tem vinho, azeite e castanha de qualidade, mas a sua afirmação local e regional fez-se, na última década, pelo lado do folar.
Em certo sentido, Valpaços pode almejar a ser uma cidade autêntica, porque a base da sua economia assenta nos produtos locais de qualidade (o negócio da castanha vale 20 milhões de euros e, por junto, a agricultura aporta ao concelho, por ano, perto de 50 milhões). A questão está em saber dar os passos à medida de perna. No caso: é preciso saber que campeonato quer Valpaços jogar. A marca deve ser posicionada para que públicos? O público do concelho, o público da região de Trás-os-Montes ou o público da Região Norte?
O exemplo de Valpaços serve, claro, para tantos e tantos concelhos do Interior que têm dentro de si esta extraordinária característica - só eles são capazes de oferecer aquilo que a globalização cada vez mais reclama: distinção na indiferenciação. Está nos livros: a (incontornável) globalização, ao mesmo tempo que dita a existência de grandes espaços, sublima a importância da identidade e do que é identitário. O identitário vale dinheiro e gera emprego. Bens escassos, hoje em dia. Há que aproveitá-los, mas sem dar passos maiores do que as pernas.