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A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagrou, para a nossa democracia, um sistema semipresidencialista. Segundo a definição de um consagrado autor francês este é o sistema de Governo em que o presidente da República é eleito por sufrágio directo e popular, dispondo de grandes poderes, não domina sozinho o Executivo, onde também avulta a figura do primeiro-ministro, chefe de um Governo com competências próprias, que não é um mero fazedor de factos incumbidos pelo chefe de Estado e não pode manter-se em funções contra a vontade do Parlamento. A CRP especifica claramente os poderes autónomos dos vários órgãos de soberania, atribuindo ao presidente da República (PR) uma intervenção política, e não executiva, a função de garante do normal funcionamento das instituições democráticas, da unidade do Estado e independência nacional. Ao Governo incumbe funções executivas de um programa previamente submetido à apreciação e aceitação da Assembleia da República (AR). Preserva a separação de funções, cabendo ao poder executivo a condução e execução da política do país, sem que o PR compartilhe o exercício dos poderes governamentais. Não obstante, ao PR são atribuídos poderes de extrema relevância no âmbito da sua magistratura de influência, do poder de veto e na decisão sobre o normal funcionamento das instituições, podendo demitir o Governo e dissolver o Parlamento, ouvidos os partidos e o Conselho de Estado, cujos pareceres não são, porém, vinculativos. Na presente crise política, rejeitada que foi na AR, a moção de confiança apresentada pelo Governo, a intervenção do PR assume uma importância vital no futuro da vida política do país. É seu o papel principal no palco da nossa vivência democrática. Compete-lhe dissolver a AR, o que acaba de ser anunciado publicamente, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado. De sublinhar que a não aprovação de uma moção de confiança implica a demissão do Governo. Poderia o PR tê-lo demitido quando se começou a avolumar o desconforto relativamente às ligações do primeiro-ministro (PM) à sua empresa de origem familiar? O art.o 195.o, n.o 2, da CRP, permite que o PR possa demitir o Governo quando tal se torna necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições, ouvido o Conselho de Estado. Demitido, desta forma, o Governo poderia o PR manter a coligação actualmente no poder com outra liderança, proposta por aquela e ouvidos os partidos com assento parlamentar? Poder-se-ia ter evitado eleições antecipadas? Da competência do PR é também, para além de outras, pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da república. O Governo e o PM são responsáveis perante o PR. De relevar, ainda, que não se mostram beliscados quaisquer princípios constitucionais, cabendo ao PR a última palavra, de serenidade, de confiança e a melhor decisão para satisfação dos superiores interesses da república.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia