Com algumas e cada vez mais raras exceções, os nossos políticos dão mostras de viver num mundo fechado e só seu.
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Esta espécie de agorafobia política atinge de forma particularmente visível os elementos do partido a quem calhe estar de turno na chefia do Governo, seja o PS, seja o PSD, seja qualquer destes dois associados ao sistema de suporte básico de vida política em que se transformou o CDS. Ainda temos bem presente na memória, para não ir mais atrás, a certeza inabalável de José Sócrates no futuro risonho de um país que estava já na bancarrota, como somos agora confrontados com a fé inabalável de Pedro Passos Coelho de que colocou o país nos eixos, quando na verdade deixou o país de joelhos.
Faz também parte da liturgia política que, de vez em quando, os indivíduos que nos governam se juntem em sessões de terapia de grupo, em que vão sucessivamente subindo a um palanque para um merecido, julgam eles, autoelogio (e é sabido por todos que há um determinado tipo de pessoas que não devem ser contrariadas). Sempre longe das multidões, como corresponde a um agorafóbico. Chamam eles a essas sessões terapêuticas qualquer coisa como jornadas parlamentares. Quando o prazo de validade dos governos ainda não está esgotado, essas reuniões decorrem numa qualquer terra da província, de preferência com bons hotéis e restaurantes, para criar a ilusão de que a síndrome agorafóbica está controlada e que os políticos ainda são capazes de se misturar com o país real. Quando a paciência dos portugueses já se esgotou e a síndrome se agudiza, como é o caso, ficam na capital e fecham-se em casa, ou seja, nos corredores e gabinetes da Assembleia da República.
A sessão mais recente decorreu ontem mesmo e constituiu--se num paradigma dos distúrbios que acometem os governantes de turno. Por exemplo António Pires de Lima, que enquanto empresário alertava para a proximidade do patamar de fadiga fiscal, enquanto ministro destaca agora a capacidade de resistir à "tentação" de aumentar "taxas e taxinhas". Isto dias depois de ter aprovado um Orçamento que cria mais umas "taxinhas", como a que vai fazer subir o preço do gasóleo, e em que mantém e faz render uma "sobretaxinha" que permitirá extorquir, em 2015, a quem ainda trabalha, mais mil milhões de euros de IRS do que em 2014.
Ainda assim, em matéria de negação da realidade, Pires de Lima é um novato à beira da ministra das Finanças, agorafóbica empedernida que garantiu que o Orçamento do Estado tem "o mesmo rigor" dos anteriores. De acordo com o ambiente de realidade paralela em que vive Maria Luís Albuquerque, isso significa que os números vão bater todos certos. De acordo com o contribuinte, que é quem paga a conta, significa que, a exemplo de todos os anos anteriores, teremos vários orçamentos retificativos e a venda apressada de uma TAP qualquer para tapar o buraco.