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TTodos distantes da violência, como é timbre de uma sociedade civilizada, dois tipos de protestos marcam a vivência quotidiana do país.
O primeiro foco associa poções de indignação muitas vezes manipuladas por partidos políticos e centrais sindicais. A defesa de interesses corporativos, segundo o exclusivo ângulo materialista, é o ponto de partida ideal para instrumentalizar milhares de cidadãos. O chamado objetivo "dois em um" passa também pela instabilidade do poder instituído, quando não o seu derrube. Marcadas em catadupa, a esmagadora maioria das manifestações obedecem ao legítimo direito à indignação, mas mesclado, quase sempre, por uma visão de umbigos próprios. Visam pressionar os principais centros de decisão da vida nacional e, aceite-se, são coroadas de êxito em percentagens elevadas - nuns casos, por manifesta imperícia e tolice de quem delibera, noutros casos, mais do que os desejáveis, por medo e recuo calculado das projeções eleitoralistas.Será antipático admiti-lo, é mesmo contra a corrente, mas no plano das reivindicações e da convocatória de movimentos de protesto e manifestação, a primeira, a segunda, a terceira, mesmo a quarta fileira dos pontos agitados a partir das centrais sindicais e dos partidos políticos radicam apenas em visões financeiras e de intocabilidade de certos privilégios.
Sim, não é prudente, com certeza, desvalorizar a indignação e a capacidade para reagir-resistir ao destrato com que nos últimos anos se tem enquadrado o mercado de trabalho. Há, no entanto, patamares de indignação merecedores de mais simpatia e consideração, mesmo comunicacional - e esse é, então, o segundo foco.
Embora ainda de modo imberbe, a chamada sociedade civil tem sido capaz de se agregar em torno de expressões de descontentamento e de exigência apreciáveis - até por não dependerem das tais centrifugadoras de cariz político.
Muito para lá do puramente materialista, todos os dias, um pouco por todo o país, existem movimentos a reivindicar melhores condições de vida - ou a sua não desestruturação.
Envolvendo-se critérios de indispensável boa cidadania, a reclamação por mais eficácia nos serviços públicos, das escolas às repartições de finanças, dos tribunais aos centros de saúde, indicia a existência de um país interessado em construir uma sociedade não apenas marcada por egoísmos socioprofissionais. E esse é o lado bom de pequenas e médias manifestações de indignação de rua ou de bairro, de pais ou de filhos. Só ontem, como o JN noticia, centenas de estudantes das escolas básicas e secundárias do Porto reclamaram em defesa da escola pública, pais e alunos de Vieira do Minho resolveram oferecer porta-chaves de amianto a deputados e a falta de obras levou encarregados de educação a fecharem a cadeado um estabelecimento de ensino no Marco de Canaveses. Um dia exemplar.
É errado não valorizar cada vez mais os movimentos de populações indignadas pela ineficácia ou degradação de serviços e equipamentos sociais.
Esse é o bom quebra-cabeças, sobretudo quando - e ainda bem - o país evoluiu para um patamar de alguma excelência e tem cada vez mais dificuldades em conseguir mantê-lo.