Francisco não precisou da inspiração divina ou de Nostradamus para manifestar as suas preocupações, o mais elementar bom senso lhas impôs.
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Ora vejamos:
A vacina. Receios? Monopólio de um só país e dos mais ricos. Leio artigo da "Sábado", de que fala a indústria farmacêutica? De "preços competitivos com uma margem de lucro ética". Céptico, se na frase tivesse de diagnosticar relação problemática seria entre lucro e ética, guardo, por exemplo, más recordações do VIH. Mas as empresas mimetizam o comportamento dos países, competição e argumentos duvidosos não têm faltado no que ao turismo diz respeito, com razões económicas em fundo. Daí a importância de mecanismos que permitam acordos para as compras conjuntas anunciadas por uma União (?) Europeia que confiou mais na moeda comum do que na criação de sentimentos de cidadania e pertença nas pessoas.
O vírus pôs a descoberto as desigualdades? Não, dissipou uma simples névoa, é mais espessa a que me proíbe a vista do riacho sussurrante em Cantelães. Por isso, fui amargo em relação a imagens como "estamos no mesmo barco" e todas as que apresentaram a humanidade de igual modo ameaçada, em termos sanitários e económicos. Não é verdade, se há característica do "velho normal" que surgirá mais robusta no "novo" é a desigualdade. Para obviar a tão triste coerência, seria necessária uma mudança radical na forma de ver e modelar o Mundo, mas, já o escrevi, a nossa memória é curta, enquanto as pandemias vão e vêm, folgam as costas de uns e vergam-se mais as de outros.
Engano-me? Óptimo. Sugiro que comecemos pelos lares. Não os deuses romanos que protegiam famílias e encruzilhadas - e se estamos numa! -, mas instituições por todo o país, algumas das quais apresenta(ra)m problemas que, sem alarmismos, são de vida ou de morte. Os ilegais devem ser fechados, ponto final. E pontuo por não ser raro assistirmos a simples deslocalizações de depósitos de idosos, que ferem a dignidade e acentuam o sofrimento das suas vítimas, a palavra não é exagerada. Quanto aos outros, as condições de funcionamento devem ser objecto de avaliações rigorosas e periódicas, de modo a impedir que alguns dos meios anunciados só existam no papel. E todos os que funcionam bem devem ser reconhecidos e apoiados, apesar de nesta sociedade não merecerem letras gordas e cores berrantes.
Esta semana ouvi de tudo - declarações infelizes, politização do tema, indirectas, ameaças, jogo do anelzinho no que a responsabilidades diz respeito, num ápice mais 110 milhões de euros e 15 000 funcionários. Quando a poeira assentar, veremos o que mudou. Aposto que Francisco apreciaria que a nação fidelíssima aplacasse alguns dos seus - e nossos! - receios.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)
*Psiquiatra