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1. Todos temos testemunhado a notável onda de solidariedade dos portugueses relativamente aos ucranianos que fogem da guerra. Alguns vão até nas suas carrinhas, carregadas de mantimentos à ida e de refugiados à volta. Não surpreende, por isso, que 44% dos portugueses estejam totalmente de acordo com a política de portas abertas, sem quaisquer limitações, decidida pelo Governo. Mas não se deitem demasiados foguetes quanto à nossa vontade de acolher os deserdados deste Mundo. Para além do horror da guerra e da compaixão por quem sofre, a proximidade cultural, religiosa e étnica dos ucranianos deu uma ajuda. Basta olhar para os resultados da mesma pergunta, mas para refugiados sírios (em guerra há mais de uma década), afegãos (na fuga aos talibãs apenas uma ínfima minoria teve o prémio europeu) ou de um qualquer país africano em guerra: só 22% concordam totalmente com a política de portas abertas, sem limitações, a esta gente de culturas, religiões, etnias e até diferentes cores de pele.
2. Um dos povos africanos que vivem em guerra permanente são os sarauís. Há 47 anos, passaram de colónia do rei espanhol a vassalos do rei de Marrocos. A ONU insiste na necessidade de um referendo à autodeterminação. E Espanha (que ainda é considerada, à luz do direito internacional, a potência administrante), embora sem tomar partido, procurou sempre que a solução fosse consensual. Até há poucos dias, quando o primeiro-ministro Pedro Sanchez, líder do PSOE (partido cujo programa prevê o direito à autodeterminação do território do Sara Ocidental), deu o dito por não dito e, a troco de um prato de lentilhas, vendeu o povo do deserto ao monarca absolutista de Marrocos. O que pediu em troca? Garantia de integridade territorial (há que pensar nas "colónias" de Ceuta e Melilha) e que não se voltarão a repetir episódios como aquele em que Marrocos deixou passar, em dois dias, 10 mil migrantes africanos. Gente de outras culturas, religiões, etnias e cores de pele. Mesmo que estejam em fuga à guerra, à peste ou à fome, a Europa não os quer por cá. Não são iguais a nós.
*Diretor-adjunto