Os reis que estudámos vinham em livros de história. Os de agora vêm na "Hola!" É a pura realidade. Nem sei mesmo como é que nos países onde não há "Hola!" se dão a conhecer.
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É de tal maneira assim que lá em casa há um hábito antigo: comprar e guardar números da revista sobre momentos históricos. Para além da edição sobre os atentados de 11 de março em Madrid, cuja capa será sempre excecional, todos os outros são dedicados a notícias da realeza.
Não tenho dúvidas que serão registos interessantes daqui a 50 anos. Em boa verdade, a malograda trajetória de Diana de Gales, por exemplo, é já um caso de estudo dos efeitos da hipermediatização, ainda sem a influência massiva das redes sociais. Teria sido possível construir a hagiografia da Princesa do Povo com a media digital dos últimos 10 anos?
Ou, no caso da vizinha Espanha, estudar qual o papel dos media, em particular da dita imprensa rosa, na construção cuidada de uma linguagem cujo objetivo foi sempre o de preservar a ética e o respeito coletivo por um juancarlismo que apesar das duas Espanhas a (monárquica e a republicana) se soube impor.
Mas para além destas curiosidades específicas, a verdade é que os reis e rainhas passaram de homens sisudos e armados e senhoras virtuosas ou guerreiras a elegâncias desportivas ou de "passerelle".
Com exceção do Reino Unido onde Isabel II insiste em sublinhar a importância do Parlamento, aguentando estoicamente manto de arminho, coroa e cetro e a liberdade heroica do dia D - e por isso deliberadamente não abdica de uma imagem entre o século XII e o XX - todos os outros monarcas reinantes se renderam à obrigação de animar quadros vivos contemporâneos que se transformam em postais ilustrados, espécie de conto de fadas da pós-modernidade.
Já ninguém acredita no seu poder mas distraem-se com os bem produzidos apelos ao consumo de fatiotas, joias ou penteados.
A recente vaga de princesas plebeias veio ainda introduzir o que antigamente estava reservado aos presidentes americanos, ou seja, que qualquer americano pode ser um. Por estes dias todas as miúdas giras podem vir a ser princesas de sangue azul.
Confesso que, na minha condição de portista, a única coisa que me interessa na monarquia é mesmo a cor do sangue.
Mas, voltemos ao tema: o anacronismo de um regime que serve quase sempre e só para ajudar a imagem turística do país.
As monarquias do Norte da Europa têm-no feito muito bem. Sem descurar os palácios, os vestidos, as coroas ou os diademas, sem deixar de cumprir a obrigação de dar um herdeiro à coroa (quase já sem lei sálica vigente), são homens e mulheres visivelmente integrados nas respetivas comunidades, razoavelmente produtivos e desapegados do exercício do poder. As abdicações recentes na Holanda e na Bélgica são um exemplo interessante. Não faço ideia se o regime sobreviveria a um referendo mas, pelo menos, este não se impõe pelo desconforto dos cidadãos.
No Médio Oriente, por exemplo na Jordânia, a imagem da rainha Rânia pode ajudar a estabelecer uma ponte psicológica com o Ocidente, desde que o estilo seja gerido com minucioso equilíbrio.
Reparem que tudo isto é possível porque, para além de se manterem vistosos, são pouco ouvidos.
Todos falam, naturalmente, mas as suas mensagens e os seus discursos não são amplificados com a mesma abrangência e o mesmo virtuosismo da sua imagem. O que é prudente, não fossemos ficar ou aborrecidos com a nulidade da performance ou assustados com algum tique executivo.
Nenhum monarca bate, a este respeito, o imperador do Japão. Eu por mim acho que ainda não se ouviu de novo a sua voz desde que pela primeira vez vibrou em público, pela rádio, no final da II Guerra Mundial. E o sucessor de Hiroito já não me parece que vá repetir a façanha. Se calhar só falam geração sim, geração não.
Os últimos números que guardei foram os da abdicação de Juan Carlos I e da coroação de Felipe VI.
E tenho ideia que os protagonistas podem ter de mudar de casa. Não sei se a "Hola!" conseguirá continuar a albergar uma monarquia que só se aceitou porque trazia a democracia como dote.