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No plano geopolítico, a Bielorrússia, de que se fala por estes dias, configura um caso particular. Se bem se notar, o ocidente reclama, muito justamente, pelo comportamento autocrático do presidente Lukashenko, pelo ambiente fraudulento que envolveu a recente disputa eleitoral, pela violência oficial contra a expressão democrática dos seus cidadãos. Mas, ao contrário do que se verificou nos casos da Geórgia ou da Ucrânia, nenhuma voz sensata veio apelar à ideia de que uma Bielorrússia "livre" venha a integrar a NATO ou a União Europeia. Por que será?
Há resquícios dos velhos acordos de Yalta que ainda subsistem na memória do realismo internacional. E embora, no plano dos princípios, ninguém subscreva a legitimidade da tese das "esferas de influência", é por demais evidente que prevalece, na racionalidade geopolítica do mundo, a ideia de que um país como a Bielorrússia faz parte de um terreno de tutela russa.
Se Putin decidisse fazer avançar carros de combate pelas ruas de Minsk, caía "o Carmo e a Trindade", mas não deixa de haver um entendimento implícito no tocante à aceitação de que Moscovo pode ter uma palavra a dizer quanto ao futuro do país. Se a "soberania limitada" faz ainda sentido para alguns cultores da "realpolitik", é no caso bielorrusso que isso se aplica de forma bem clara.
Os cidadãos que vieram para as ruas, como alguns bem assinalaram, não parece terem pedido para que o país ingresse na Aliança Atlântica ou faça parte das instituições europeias, da mesma forma que, ao contrário de muitos georgianos e ucranianos, não pareceu emergir nesses movimentos uma atitude hostil para com a Rússia. Provavelmente, isso terá ocorrido assim por mero realismo, pela consciência de que o seu futuro, se fará, quase inevitavelmente, num qualquer modelo de relação íntima com Moscovo.
A alguns chocará a frieza desta análise, que parece conceder bondade àquilo que espelha uma mera relação de forças. Porém, estou apenas a refletir sobre como as coisas são, não como deviam ser. É que não é por acaso que os poderes que contam, na ordem internacional, sempre separam as águas, quando abordam os casos nacionais na periferia russa.
A avaliar pelas reações, Putin não sabe muito bem o que há de fazer com o seu incómodo vizinho. Já terá percebido que Lukashenko é, cada vez mais, um fardo. Não está disposto a deixar que o ocidente intervenha, mas, muito claramente, também ainda não decidiu como utilizará o seu poder de vizinhança. No meio, impotentes, estão os bielorrussos.
*Embaixador