Corpo do artigo
Bastava a qualquer candidato autárquico ou presidencial ficar durante uma manhã, tarde ou noite numa paragem de autocarro para saber exatamente o que é isto do "país real" e do que ele necessita. Nesse país, que está longe das praias da Comporta e do "triângulo dourado" do Algarve, estão as empregadas de limpeza a regressar de um dia de trabalho, os idosos que se deslocam para ir ao médico, os estudantes a caminho de mais um dia de escola e os inúmeros trabalhadores, de vários setores, que não podem ou não querem depender de um carro, todos os dias.
"Um país desenvolvido não é aquele onde os pobres têm carro, é aquele onde os ricos andam de transporte público". A frase pode ser encontrada em várias páginas da Internet dedicadas à mobilidade ativa e sustentável. A expressão foi usada por Enrique Peñalosa, antigo autarca da capital colombiana, Bogotá, numa TED Talk, em 2013. Mas, em quantos países podemos constatar que é uma realidade? Certamente, não o é em Portugal.
Andar de autocarro, metro ou comboio, todos os dias, continua a ser, na maioria das vezes, fruto de uma condição social e económica desfavorecida: dos que não têm dinheiro para comprar e manter um carro ou para pagar um mês inteiro de combustível com o seu salário.
Haverá outros tantos utilizadores de transportes públicos que o fazem por uma convicção, como Enrique Peñalosa, além de por necessidade: a de que um país, para ser verdadeiramente democrático, desenvolvido, justo e "amigo do ambiente", tem de ter uma rede que não falha, cumpre horários e oferece condições de conforto e segurança aos passageiros. Sim, isso inclui bancos nas paragens, abrigo nos dias de chuva torrencial e investigações apuradas e sérias sobre os sinistros rodoviários e ferroviários, como o que ocorreu no Elevador da Glória, em Lisboa.
Nos programas eleitorais e nos discursos políticos, somos todos defensores acérrimos dos transportes públicos, mas será que pensamos na sua eficácia no dia a dia? Os que dependem de transportes públicos merecem, após acordar duas horas mais cedo para chegar ao trabalho, que o autocarro chegue a tempo, que seja acessível para quem está numa cadeira de rodas e que as mulheres não tenham medo de estar sozinhas numa paragem à noite.
Caros candidatos, está na hora de andarem de autocarro. Não por uma lógica castigadora para verem o que o povo sofre, mas para perceberem o que falha no "país real". O país onde sair 15 minutos mais tarde do trabalho significa chegar uma hora mais tarde a casa, porque os horários dos transportes são inflexíveis. Ou, no pior dos cenários, ser um cidadão que vive fora das áreas metropolitanas ou trabalha por turnos e não tem outra forma de se deslocar, sem ser de carro. É que isto de viver no "país real" não é fácil. Exige paciência e força nas pernas para esperar pelo autocarro.

