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Há muito que a agenda europeia é dominada pelos medos. Foi, aliás, o medo perante a ameaça soviética, nos tempos da Guerra Fria, que cimentou a construção europeia, razão por que alguns consideram que, para além de Schumann e Monnet, há mais alguém que merece algum crédito pela solidificação do projeto integrador: Josef Stalin...
Aquilo a que Fourastié chamou os "trinta gloriosos" anos, entre o final da Segunda Guerra e a crise petrolífera de 1973, trouxeram à Europa crescimento, prosperidade e emprego, criando, deste lado do Atlântico, uma sociedade de consumo similar àquela que os EUA já gozavam. Do lado "de cá" da "cortina de ferro", permaneceram sempre óbvios os temores defensivos. Mas o medo essencial na Europa morava então nas casas e nas ruas do "socialismo real", tutelado por Moscovo.
Com os tempos económicos a serem menos favoráveis, com os alargamentos sucessivos a induzirem uma imparável diversidade e a conduzirem a uma objetiva mudança de natureza da União, esta tornou-se muito mais desigual. E, com o tempo, bastante menos otimista. O euroceticismo começou a bater à porta dos europeus, mais a uns do que a outros pela assimetria dos efeitos, fruto dos egoísmos nacionais que tornam Bruxelas o bode expiatório de tudo quanto corre mal em casa, adubado pelas quebras de solidariedade num projeto que se sente cada vez mais economicista e só residualmente tributário dos valores que haviam estado na sua origem.
Os medos regressaram em força às populações europeias e o projeto integrador, em lugar de ser visto como uma defesa para esses receios, começou a ser olhado como a verdadeira causa dos problemas. Se os alargamentos já haviam induzido o medo às deslocalizações de empresas, a imigração económica somou-se como uma nova ameaça ao emprego e, mais do que isso, induziu pulsões securitárias de novo tipo, afetando a bondade da livre circulação. A isso acresceu, nos últimos tempos, a questão dos refugiados e, ainda mais recentemente, a vaga terrorista, que veio "legitimar" o mal-estar intercultural e inter-religioso que já emergia em muitos países.
Este complexo quadro é o terreno ideal para quantos hoje advogam um recuo no processo integrador. Para Portugal, é muito claro que qualquer diluição desse paradigma seria muito negativo e agravador da nossa perifericidade.
Deixo um alerta específico: qualquer cedência ao Reino Unido, no seu pedido de "devolução" de poderes, que pudesse configurar um recuo nos direitos dos nossos trabalhadores seria um precedente muito nefasto. É que nunca se sabe se, aberta a porta, a senhora Marine Le Pen não poderia começar a ter algumas outras ideias...