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Vamos deixar a novela em que mergulhou o gabinete de João Galamba repousar, à espera que se esclareça o possível entre as versões contraditórias do ministro e do seu ex-adjunto. Podemos até ignorar o caso, assumindo com boa vontade que foi um infeliz sobressalto e que o governante em momento nenhum quis omitir elementos à comissão parlamentar de inquérito. Sobra, ainda assim, um conjunto de factos inquietantes que nem com boa vontade será possível relevar. Centremo-nos neles.
João Galamba teve um papel determinante e promoveu o encontro entre membros de dois gabinetes ministeriais, deputados socialistas e a antiga CEO da TAP, na véspera da sua primeira ida ao Parlamento, a propósito do caso Alexandra Reis. Nesse encontro foram treinadas perguntas e acertados elementos sobre as respostas. Só por si, é o suficiente para deixar o ministro das Infraestruturas fragilizado. Mas não é o único.
Nos últimos meses, por incessantes e justificadas razões, o Governo tem estado no centro da crise política. Poderíamos assumir que se trata de desgaste, descoordenação e ineficácia da equipa de António Costa, que apesar da maioria absoluta e do tempo aparentemente curto da legislatura acumula sete anos de governação. Este caso da reunião secreta com Christine Ourmières-Widener mostra em toda a sua amplitude o quanto a crise ultrapassa o Executivo e determinados vícios arrogantes de poder estão instalados no PS.
Ouvimos o presidente da bancada parlamentar socialista e torna-se difícil acreditar. Depois de se perceber que houve respostas combinadas, que o PS atropelou princípios elementares de separação de poderes, que um ministro deu o aval a uma reunião que revela tudo menos seriedade política, Eurico Brilhante Dias dispara em todas as direções e fala em crime na fuga de informações. E consegue acrescentar melhor: é "quase censório" querer condicionar as reuniões do grupo parlamentar. Convinha o PS acordar para a realidade, ter um pouco de humildade e demonstrar que ainda sabe reconhecer erros. Os tais "erros localizados, ainda que graves", de que Augusto Santos Silva falava no Dia da Liberdade. A não ser, claro, que todos os socialistas já tenham percebido que a crise é sistémica, profunda e feia.