As manifestações contra as políticas do Governo que se realizaram por todo o país têm vindo a ser analisadas por todos os comentadores sendo que, na essência, esta avaliação se tem centrado sobretudo no maior ou menor número de participantes que nelas se incorporaram.
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Ora esta é uma questão menor, que só se transformou no denominador comum das análises porque os promotores destas manifestações se apressaram a divulgar números pouco fiáveis e facilmente desmentíveis. Sejam os números certos ou exagerados, o que importa considerar é que muitas dezenas de milhares de portugueses saíram à rua para tornar pública a sua indignação e o fizeram de forma ordeira, sem confrontos, demonstrando uma maturidade cívica de que nos devemos orgulhar. Agora, como em setembro, os indignados que saíram à rua não são senão a parte mais visível do conjunto dos portugueses descontentes com o rumo que leva o país. Procurar avaliar o descontentamento das famílias pelo maior ou menor número de pessoas presentes nestas manifestações, como já vi, é querer ignorar o país em que vivemos.
Como o indiciam recentes estudos de opinião, se todos os que discordam das políticas do Governo tivessem vindo manifestar-se, em casa teriam ficado os membros do Governo, os seus assessores e pouco mais.
Um resultado visível teve, para já, este "sobressalto cívico" - o presidente da República volta a manifestar a sua discordância com a orientação do Governo. Enquanto Passos Coelho afirma não governar em função de manifestações, Cavaco Silva entende que essas vozes "não podem deixar de ser escutadas". Não se podem esperar grandes consequências de mais este desconcerto. Mas é mais uma pedra no muro que separa Belém de São Bento, apesar de o presidente reafirmar a sua aposta no valor da estabilidade. Se atentarmos na sua última versão prefacial, a estabilidade é para o presidente um fim em si mesmo.
Entretanto, o Governo pôs finalmente pés ao caminho para procurar corrigir erros do seu passado. Primeiro-ministro e ministro das Finanças saíram dos seus gabinetes para procurar conseguir o alargamento dos prazos impostos para o cumprimento do défice e para o pagamento da dívida.
Independentemente dos resultados que vierem a ser conseguidos junto das instituições e dos parceiros europeus, a diligência, por si só, é já um sinal positivo. O Governo reconhece, por fim, que o seu seguidismo perante as imposições da troika foi um erro que terá de ser corrigido.
Os sinais positivos deste recuo vieram logo a seguir. A poderosa agência de rating Standard & Poor's melhorou a classificação atribuída a Portugal, considerando que o alargamento dos prazos torna o processo de ajustamento mais sustentável. E os mercados responderam prontamente com uma suavização dos juros da dívida, embora ainda não suficiente para nos tranquilizar quanto ao normal acesso aos mercados.
Mas a S&P deixa um recado bem direto - "Apesar da esperada suavização das metas orçamentais, consideramos que os riscos do contrato social continuam a ser significativos... os rendimentos disponíveis continuam a cair, em conjunto com os salários e os níveis de emprego, a carga fiscal sobe e as condições domésticas difíceis de acesso ao crédito persistem". Muito bem. Contudo e a despeito deste juízo muito crítico em relação à política económica do Governo, vem admitir que a contração do PIB no corrente ano poderá ser inferior em meio ponto percentual ao estimado pela própria União Europeia. Isto, a despeito de o Banco Central Europeu prever para o espaço euro uma recessão mais grave do que a inicialmente estimada. Oxalá tenham razão.
Para culminar os acontecimentos, o ministro da Economia veio anunciar um plano de 50 medidas para apoiar o setor da construção civil. Uma vez mais, muito bem!
Ou seja. Finalmente o Governo percebeu que precisava de mais tempo do que o que tinha acordado com a troika para "tornar o processo de ajustamento mais sustentável" e reconheceu que sem crescimento jamais resolverá o problema do desemprego.
Aleluia! Há tanto tempo que tanta gente clama por uma correção de percurso nas políticas adotadas por este Governo no preciso sentido dos sinais agora transmitidos. Quanto tempo perdido e quantos sacrifícios inúteis. Será por estarmos na Quaresma que o Governo resolveu arrepender-se dos seus pecados?