A realpolitik não se compadece com estados de alma. As lágrimas de grande parte dos líderes do Mundo são de crocodilos ancestrais. Conhecemos as suas manhas. Os truques. E, no entanto, os exercícios mediáticos de encenação abundam no teatro de operações diplomáticas. Ora para mitigar os danos junto da opinião pública doméstica, ora para projetar, fora de portas, uma aura maquilhada em linha com os interesses externos. Os quais, invariavelmente, andam de mãos dadas com os interesses económicos. Realpolitik.
Corpo do artigo
Atente-se no posicionamento dos diferentes dirigentes globais na resposta ao bárbaro assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, torturado e desmembrado no consulado daquele país na Turquia. Não há ainda provas irrefutáveis de que os mandantes estejam sentados no trono árabe, mas os factos já conhecidos apontam para uma responsabilização que atinge as altas hierarquias do Estado. Afrontar a Arábia Saudita significa correr o risco de perder contratos faraónicos de venda de armas. Não surpreende, por isso, o sentido das respostas e não-respostas ao dilema filosófico: vale mais uma vida ou uma batelada de dinheiro?
Investigue-se, mas os negócios são para cumprir. Sem floreados, foi isso que Donald Trump disse ao Mundo. Com o floreado do costume, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, acabou por dizer o mesmo. A França, evasiva, não conseguiu esquecer os 291 mil milhões de euros que encaixa, Espanha chumbou qualquer hipótese de fechar a torneira aos árabes e apenas a chanceler alemã, Angela Merkel, suspendeu a venda de armamento àquele país medieval. O mesmo que forçou o filho do jornalista assassinado a apertar a mão ao príncipe suspeito de dar a ordem de execução, para que este pudesse exibir ao Mundo uns pêsames em que ninguém crê. O abraço saudita da morte é uma nova forma do mal. Mas as motivações e os cúmplices são os do costume. Realpolitik é isto.
* DIRETOR-ADJUNTO