A Justiça está hoje como a mulher de César: não lhe basta ser séria. Se os sinais que lemos nos anunciam muitos podres na sociedade portuguesa, só com uma Justiça em que todos acreditemos arrepiaremos caminho.
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Participei esta semana em muitas conversas com o mesmo tema: os "timings" da Justiça. Terá a Justiça um tempo próprio para actuar? Escolherão os agentes da Justiça a melhor oportunidade para revelarem as suas decisões? Quero crer que não e, sobretudo, quero continuar a acreditar que não.
Nessas conversas, invariavelmente, as premissas eram: o caso Freeport veio a público precisamente em final de mandato de Sócrates - como já viera noutras eleições - podendo ter contribuído para o péssimo resultado das Europeias e para a perda de maioria nas Legislativas; o excelente resultado de Paulo Portas e do PP foi "premiado", dias depois, com o caso dos submarinos; e, agora, quando o Governo fica completo e está pronto a governar, eis que rebenta a "Face Oculta", atingindo dirigentes socialistas e ameaçando espalhar-se das grandes empresas para os territórios municipais. Os argumentos destas "coincidências" não colhem: se o caso Freeport fosse público só depois das eleições dir-se-ia que assim tinha sido para proteger o primeiro-ministro; se os submarinos estoirassem antes das eleições sempre se poderia dizer que havia a intenção de prejudicar a votação em Portas; e, com a Face Oculta, sempre se poderia ter dito, se surgisse antes das eleições, que visava prejudicar o Governo.
Enfim, por uma razão ou outra ainda não descortinada, faz infelizmente caminho a convicção de que os "timings" são estudados. E uma das razões para isso acontecer reside no facto de também fazer caminho a desacreditação da independência de quem investiga ou julga. Infelizmente, não é claro na opinião pública que nestas coisas não há ajustes de contas . Toda a Justiça carrega uma cruz tão pesada que sempre continua prostrada. Os casos arrastam-se nos tribunais (veja-se o caso Casa Pia), quem pode escolher os melhores e mais caros advogados parece ganhar vantagem, além de que têm surgido, demasiadas vezes, decisões incompreensíveis não apenas para os leigos, mas até para muitas das pessoas envolvidas. Acresce que a investigação em Portugal deixa a desejar: todos nos recordamos de acusações graves mal fundamentadas e insustentáveis em juízo; e todos nos lembramos - e aí está a Face Oculta para quem se tivesse esquecido - que a Justiça não pode funcionar deixando cair uma coisa ali e outra aqui, o suficiente para que os julgamentos se façam rapidamente na praça pública, quando é no rigor das salas dos tribunais que as sentenças devem ser decididas.
A Justiça está hoje como a mulher de César: não lhe basta ser séria. E se há lóbis, protagonismo a mais de quem deve ser discreto ou indesejável pressão política, isso é mau, porque, no pé em que estamos, Portugal precisa também que a Justiça pareça séria. Se os sinais que lemos nos anunciam muitos podres na sociedade portuguesa, só com uma Justiça em que todos acreditemos arrepiaremos caminho.