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Não se trata do leão de Nemeia, da hidra de Lerna, do javali de Erimanto, da corça de Cerineia, dos pássaros do lago Estinfália, dos estábulos de Augias, do touro de Creta, das éguas de Diomedes, do cinturão de Hipólita, do gado de Gerião, das maçãs de Hespérides ou de Cérbero, o monstro cão.
Até porque já não somos uma geração com adequada formação clássica. O que é uma pena. Valem-nos pessoas sábias, como a professora Maria Helena Rocha Pereira, a quem há uns tempos ouvi uma extraordinária palestra sobre mitologia grega e que nos mostra como a encriptação figurativa destas histórias é afinal racional e de aplicação intemporal.
Há uns dias, vi no jornal que já tinha sido escolhido o novo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N). Para quem não sabe, a CCDR-N é um organismo do Estado que tem por missão o que há de mais parecido com um governo regional. Podia explicar minuciosamente porquê. Mas a principal razão é a de a CCDR-N ser a única instituição que, pelas suas competências e pelo lugar que ganhou no plano nacional, tem condições para federar os agentes regionais, estes entre si ou destes para com o país.
Ainda que gerida de forma colegial, é notória a responsabilidade específica do presidente. Porque detém competências próprias indelegáveis mas, sobretudo, porque foram alguns presidentes da CCDR-N que melhor souberam convocar e dar eficácia a esta vocação federadora.
Depois de muitos meses de instabilidade, vejo como sinal de esperança para a Região a escolha do novo presidente - professor Emídio Gomes. Em especial porque o perfil selecionado conjuga algo muito raro em Portugal e, sobretudo, na Administração Pública: uma larga e qualificada carreira pública com uma experiência individual de grande sucesso no mundo empresarial. Ser-lhe-ão muito úteis ambas em outros tantos 12 trabalhos mais terrenos mas talvez não menos hercúleos.
O primeiro e o segundo trabalhos são sempre as pessoas. A CCDR-N tem uma equipa que, no seu conjunto, detém um vastíssimo conhecimento físico e técnico da Região, mas que se tem vindo a deixar submergir por uma gestão administrativa e regulamentar que, em todas as áreas, diminui o interesse e enfraquece o empenho. Dar-lhes poder (correndo o risco) e garantir-lhes estabilidade são tarefas urgentes.
O terceiro e quarto são os agentes da Região. Com todas as instituições públicas, ir mais além. Chamar as empresas , os jovens sem emprego, conhecer os artistas, "sair do quadrado, percebendo que a nossa Região será sempre mais rica se o policentrismo e o pluralismo deixarem de ser eternas recomendações dos planos de ordenamento do território.
O quinto e o sexto davam o nome de uma peça de teatro: "Hércules vs. Kafka". Nenhum presidente da CCDR-N pode ou deve deixar de tentar continuamente vencer a loucura legislativa e regulamentar que nos assola. Lutar contra a própria casa, assumindo riscos, mas sobretudo contra as instituições intermédias de Lisboa que mandam mais do que os políticos eleitos ou contra Bruxelas, naturalmente, que mede o seu prestígio em rolos de papel - nenhum com a graça do "On the Road", de Kerouac.
O sétimo e o oitavo, conhecer, estudar, comparar e propor. A letargia criativa de Bruxelas tem contaminado a produção prospetiva da CCDR-N. Talvez seja só porque é assim que nos pedem que seja feito. Mas temos todos saudades de um tempo, mais pobre em competências mas talvez com mais resultados, em que a CCDR-N era conhecido por "dar contributos para". Eram quase sempre inovadores e muitas vezes aproveitados.
O nono e décimo chamam-se "delegar". A CCDR-N deve encontrar formas, em todas as áreas, de se ater ao essencial dos problemas, libertando-se e delegando múltiplas tarefas que, na maior parte dos casos, são melhor executadas por exemplo ao nível supramunicipal. A gestão dos fundos comunitários é uma área paradigmática a respeito.
O décimo e o undécimo, lucidez e perseverança. Ater-se às prioridades e desistir das minudências. Não perder de vista as grandes questões regionais e forjar consensos contínuos dando-lhes voz.
Quanto mais difícil, mais desafiante. No fim, Hércules foi levado para o Olimpo e ficou imortal.