A principal conquista da revolução do 25 de Abril de 1974 foi a institucionalização do Estado de Direito democrático. Estado de Direito porque é democrático, ou seja, porque assenta na vontade popular e no respeito do pluralismo; Estado democrático porque é de Direito, ou seja, resolve os seus conflitos de acordo com o Direito, em respeito pela dignidade da pessoa humana e pelas regras da ponderação, da adequação e da proporcionalidade.
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O processo de transformação mobilizou, como em poucos momentos da nossa história, um país pobre e amordaçado e a braços com uma guerra em África que o exauria dos seus melhores recursos humanos e materiais. A mudança fez-se sob o célebre programa dos três "D": Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.
A democracia, com todas as suas imperfeições e insuficiências, está definitivamente consolidada no subconsciente coletivo, embora haja sinais de que não tenha sido ainda integralmente assimilada pelas elites políticas e económicas. A corrupção nas altas esferas do Estado distorce o funcionamento do regime democrático e a vontade popular nem sempre é respeitada por aqueles que se fazem eleger pelo voto dos cidadãos. Outra das insuficiências do nosso regime democrático é o medo que ainda entorpece a participação de muitos cidadãos na vida democrática. O medo, que foi sempre o principal suporte das ditaduras e o principal aliado dos tiranos, ainda condiciona a intervenção de muitas pessoas sobretudo no debate público. A vida política está demasiado teatralizada, sem autenticidade e muitos dos titulares dos poderes soberanos não têm a honorabilidade e o sentido de honradez compatíveis com a dignidade das funções e cargos que exercem. Promete-se tudo e mais alguma coisa para alcançar o poder e uma vez lá despreza-se com soberba a vontade e os interesses dos eleitores. De qualquer forma, os problemas da democracia resolvem-se com o aprofundamento da democracia e não com o seu retrocesso. Em Portugal, o aprofundamento democrático deve fazer-se no sentido do alargamento da democracia participativa e da restrição da democracia representativa. O nosso regime carece de novos equilíbrios entre a participação dos cidadãos na vida política e as reservas de poder dos seus representantes.
A descolonização foi efetuada em tempo recorde mas com muitos anos de atraso em relação às de outras potências coloniais europeias e a sua concretização não foi uniforme em todas as colónias, antes decorreu com contradições, hesitações e muitas tragédias individuais e coletivas. Alguns dos novos países trilham hoje, determinados, os caminhos do progresso económico e social, enquanto outros, infelizmente, ainda não conseguiram, sequer, construir um Estado moderno que lance as bases do desenvolvimento. Em algumas das antigas colónias ainda não se realizaram muitas das esperanças acalentadas com a descolonização enquanto em outras a felicidade e o bem-estar prometidos parecem ainda mais longínquos.
O desenvolvimento é também visível, apesar de a pobreza ainda não ter sido combatida com seriedade. O Estado democrático impulsionou progressos notáveis na economia e, sobretudo, na Saúde com o aumento da longevidade e da qualidade de vida e a diminuição acentuada da mortalidade infantil. Mas foi na Educação que o desenvolvimento mais se evidenciou. Antes do 25 de Abril, mais de um terço da população era analfabeta e apenas 1,6% frequentava o ensino médio ou superior. Entre 1974 e 2011 a taxa de escolarização do ensino pré-escolar evoluiu de 10% para 87,4% e a do ensino secundário aumentou de 8,7% para 134% (já que beneficiou mesmo pessoas que já não estavam na idade própria para o frequentarem). No ensino superior a evolução entre 1978 e 2010 foi de 11,8% para 53,8%.
O mesmo, infelizmente, não aconteceu na Justiça. Os magistrados confiscaram esse poder soberano ao Estado de Direito democrático e subordinaram-no aos seus interesses sindicais e corporativos. Substituíram o brio da função pela vaidade do poder, profissionalizaram-se, criaram sindicatos e fazem greves como qualquer proletário. O resultado está à vista: a Justiça é, hoje, globalmente, muito pior do que antes do 25 de Abril.