É em momentos como este que mesmo um europeu convicto detesta o tom, a arrogância, a incompetência de Bruxelas.
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A "porta-voz da Comissão Europeia para a Política Regional", Shirin Wheeler, veio dizer aos jornalistas portugueses o que está decidido nos gabinetes tristes e distantes da capital belga. Que é simples: embora Portugal tenha considerado importante fazer infraestruturas rodoviárias pontuais, não haverá "um cêntimo" para elas. Assim dito, radical. E ponto final.
Sabemos todos que há um gigantesco coro em Portugal contra obras rodoviárias. Há muitas, de facto, sobretudo no litoral e à volta de Lisboa e Porto. Mas falta fazer pequenas coisas no interior do país, mais pobre, mais distante, onde as pessoas passam a vida a ir (ou não ir) para qualquer lado. Daí o conceito de "last mile", ou seja, obras que finalizam itinerários para lhes dar sentido. Há uma lista, no Norte, onde estão a ponte de Baião, pouco mais de uma dezena de quilómetros do IC35 até Entre-os-Rios, uma via entre Amarante e Régua, uns breves quilómetros para ligar Arouca e Castelo de Paiva à A32, etc.... Os últimos. Os desgraçados do costume. Agora riscados da lista.
Imagino que a Bruxelas do século XXI não perceba o que são viadutos deixados a meio, estradas nacionais de zonas francamente industrializadas como se fossem ruas, pequenos nós de acesso que poderiam desatar estrangulamentos e gerar produtividade... Não está em causa - obviamente - que o investimento seja canalizado para "investigação e desenvolvimento", "apoio a PME" e à "economia verde". Mas esta é a visão do Mundo a preto e branco. Como se a tecnologia em abstrato ou "as empresas" existissem sem pessoas.
O exemplo maior desta contradição é expresso pela própria senhora Wheeler quando, ao mesmo tempo que "proíbe" o pequeno investimento local em regiões desfavorecidas, elogia depois o "Oscar" do Desenvolvimento Regional da empresa de mobiliário Arts on Chairs, de Paredes. Como se fosse possível existir "Paredes" - esta nova Paredes que tantas vezes aparece nos jornais pelas melhores razões - sem a autoestrada A4 e tudo o que significou na mobilidade daquela região e na atração/fixação de novas gerações de empresários e de empresas.
Pode sempre dizer-se que um país que não tem dinheiro não tem luxos. Mas é disso que se trata? Quando temos, por exemplo, a meia dúzia de quilómetros da celebrada "Paredes" a "Nacional" 106 e o seu recorde nortenho (nacional?) de mortes por atropelamentos, interrogo-me sobre quantas daquelas vítimas passadas ou futuras não poderão dar o seu contributo para outros tantos "Oscars" de empreendedorismo em Paredes, Penafiel ou Lousada. E é por isso que estas pessoas que mandam nos fundos são pequeninas e, ao fim e ao cabo, desonestas na sua tecnocracia cega. Porque estes técnicos em "governança de países" (não eleitos) acham que os "governos locais" são "caciques locais". Mas é esta gente "local" que vai aos funerais dos estraçalhados por camiões que não pararam nas passadeiras de estradas nacionais como a 106 que já não suporta a atividade empresarial.
Volto a dizê-lo aqui: se Portugal conseguiu ganhar produtividade no Norte do país deve-o a empreendedores que resistem a ficar por cá e a duas coisas novas - extraordinários professores que geraram melhor educação e menos neurónios queimados em filas de espera de engarrafamentos para se chegar a qualquer lado. Mobilidade/produtividade. Um luxo, sabemos agora. A evitar?
Se nos dissessem que a proposta portuguesa pedia a maioria dos fundos comunitários para este fim, teriam neste vosso amigo um opositor a essa ideia. No entanto, estamos a falar de migalhas no grande envelope financeiro do Portugal 2020. Bruxelas pretende, e bem, melhores casos de sucesso empresarial, mas esquece que em alguns locais continuamos em níveis terceiro-mundistas quanto a atropelamentos ou em abandono do interior. Resignarmo-nos a esta lógica absurda das "empresas" em abstrato é sobrepormos uma visão económica a tudo e isso não bate certo até para a própria economia. O equilíbrio entre pessoas, mobilidade e povoamento é que gerará pessoas bem-sucedidas e empresas de sucesso. Como a Art on Chairs, felizmente em Paredes.