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Há um equívoco na política portuguesa que há muito tempo persiste: a Esquerda enche a boca de convergência (versão PS) ou estratégia unitária (versão PCP), mas na hora da verdade quem se une é a Direita. Quando se trata de dar um passo para concretizar alianças pré-eleitorais, em vez de vingar o que une as diversas esquerdas prevalecem heranças ideológicas díspares, pequenas vaidades e grandes egoísmos, zangas que perduram, ânsias de hegemonia. E responsabilização mútua pelo falhanço da unidade.
Se a impossibilidade de "juntar trapinhos" se percebe quando estão em causa legislativas, menos compreensível é em disputas locais. PSD e CDS multiplicaram alianças autárquicas sem as transformar em vínculo para a governação do país. PS, PCP e Bloco de Esquerda dizem que querem, mas não querem. Nem em Lisboa, onde há memória histórica de uma coligação que geriu a cidade durante mais de uma década.
É certo que os tempos são outros e os protagonistas também. Em 1989, Jorge Sampaio pôde dar-se ao luxo de simplesmente informar o PS, que liderava, da intenção de concretizar uma coligação com o PCP porque sabia que na Soeiro Pereira Gomes tinha interlocutores - Luís Sá e João Amaral, ambos por sinal já falecidos. Sampaio ofereceu aos comunistas uma presença paritária nas listas, condicente com o peso eleitoral que então detinham. Hoje, a implantação do PCP - logo, o seu peso negocial - é incomparavelmente inferior. É esta a questão que está em causa, não a definição de um programa comum, o qual, tratando-se do governo da cidade, não constitui propriamente tarefa ciclópica.
Privado de pontes seguras com o PCP e estando ainda presentes as feridas abertas pelo conflito entre José Sá Fernandes e o Bloco de Esquerda, causado precisamente pela aproximação do vereador aos socialistas, não restava a António Costa outra alternativa que não fosse lançar a escada aos movimentos de cidadãos de Sá Fernandes e de Helena Roseta.
Santana Lopes tem razão: os acordos que com eles o presidente da Câmara firmou são um sinal de fraqueza. António Costa, efectivamente, "comprou" muito caros os apoios, em especial o da sua antiga companheira de partido, que será número dois da candidatura. A distribuição de lugares nas listas será feita de acordo com os resultados das eleições intercalares de há dois anos. Ninguém sabe se hoje Helena Roseta os repetiria, caso fosse às urnas. Para os signatários do acordo, também não é isso que interessa. O que conta é o efeito psicológico do "povo de Esquerda" a retomar a esperança de travar o passo a Santana Lopes. Persiste é o problema de sempre: a "unidade" não abrange toda a Esquerda. E a Esquerda não é, propriamente, adepta do voto útil.