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O leitor já terá ouvido vários economistas dizer que Portugal só se safa se conseguir aumentar as exportações para países fora da Europa, por um lado, e que, claro, tenham uma crescente capacidade aquisitiva. O raciocínio bate certo: se estivermos, como estamos, muito expostos aos achaques dos nossos parceiros europeus, quando a coisa correr mal para eles, correrá muito mal para nós.
As empresas (e, diga-se em abono da verdade, o próprio Estado) têm feito, ao longo dos últimos anos, um esforço para tentar escapar ao espartilho europeu. Há boas e más experiências para contar. Mas nenhuma é tão emblemática como a do setor do calçado, cujos empresários perceberam há muito tempo qual era o caminho. Não o viram numa bola de cristal, como muitos alegados especialistas agora convertidos à estratégia. Este caminho resultou de outro caminho. Que estava trilhado: o que havia para fazer no espaço europeu estava feito, logo restava procurar outras latitudes para manter e aumentar as encomendas, o encaixe financeiro e o emprego. As exportações agradecem o arrojo.
A velha indústria nacional do calçado, tantas vezes condenada à morte e tantas vezes maltratada por quem nunca percebeu a força dos seus atores, andou duas décadas a calcorrear mundo. Para o entender e lhe responder. Foi por isso que não definhou. E é por isso que chega mais depressa ao que interessa.
A prova faz-se com números. Até junho deste ano, as exportações de calçado para mercados fora da Europa cresceram uns impressionantes 37% (Emirados Árabes Unidos, Austrália, Angola, Rússia, Estados Unidos e Canadá). O contributo desta parcela foi decisivo para que, em contraciclo, as exportações globais do setor tivessem aumentado 4% no primeiro semestre, para 789 milhões de euros. Por detrás destes números está um trabalho absolutamente incansável dos empresários e da associação que os congrega. É preciso andar a bater de porta em porta, é decisivo estar em todas as grandes feiras mundiais do setor, é necessário lutar pelo melhor preço sem perder a qualidade, porque sem ela tudo se desmoronará, mais cedo ou mais tarde.
Os últimos dados do mercado mundial de calçado dizem o seguinte: a Itália vendeu apenas 1,2% de todo o calçado transacionado no Mundo. Arrecadou 7300 milhões de euros. A China, com 74,1% das exportações mundiais, arrecadou 33,4 mil milhões de euros, apenas cinco vezes mais que os italianos. A Itália tem o preço mais caro do Mundo por par de sapatos. Segue-se Portugal. Quer dizer: a estratégia do setor está correta e está a ser afinada. A velha indústria continua a dar cartas. A mostrar como se faz. E sem se deixar contaminar pelas manias e pelos tiques dos que, sendo grandes, adoram apresentar-se como enormes e imbatíveis.