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Estava anunciado como um dos pontos altos da semana: dois robôs que falam e, como se não bastasse, que dizem coisas sérias com um toque de divertida ironia. Um chama-se Sophia (do grego sabedoria), o outro Einstein (dispensa apresentações). Uma pequena amostra de inteligência artificial, anunciou-se. O futuro, portanto. E, sim, o leitor já adivinhou, foi na Web Summit, em Lisboa, onde agora se anunciam as próximas sete maravilhas do Mundo. Assisti à coisa por um dos canais de televisão - que estão naturalmente maravilhados com o ajuntamento de "nerds" na capital - e não fiquei desiludido. O ventríloquo José Aleixo e o pato Donaltim, que me faziam rir à gargalhada nos natais dos hospitais transmitidos nos anos 70, têm sucessores à altura. É certo que eu andava então pelos 10 anos, enquanto o público da Web Summit já é crescidinho (até sobredotado), mas não é menos certo que o humor não tem idade. A única diferença é a sofisticação. No meu tempo, era a preto e branco, agora é a cores (quantas mais e mais brilhantes, melhor). No meu tempo, José Aleixo tinha que falar pelo pato, enquanto Ben Gurtzel usa um computador para programar as deixas da Sophia e do Albert. É um ventríloquo digital que nunca ficará com a garganta seca. Também porque em Lisboa nunca faltará a água...
... ao contrário, no distrito de Viseu, água é coisa que não há. Já tinha sido noticiado que os sistemas públicos dos concelhos de Viseu, Nelas, Penalva do Castelo e Mangualde estão a ser continuamente alimentados por 27 camiões-cisterna, por causa do esgotamento da Albufeira de Fagilde. Mas o problema pode agravar-se. No Parlamento (ler na página 6), o ministro do Ambiente anunciou que prepara medidas de contingência como o transporte de água em comboios especiais e a utilização de estações de tratamento móveis que permitam usar a água acumulada nas pedreiras. Sim, é este o ponto a que está a chegar o interior do país, o mesmo em que morreram mais de uma centena de pessoas queimadas pelo fogo. São pouco mais de cem mil os habitantes destes quatro concelhos, e são muito menos os de algumas aldeias esparsas onde a água não chega nem por camião. Acresce, como ontem também se podia ler no JN, que a nascente do Douro está seca e os caudais do rio perigosamente baixos. Mas também é verdade que, apesar de ser a maior seca do século, não vai morrer ninguém à sede. Nem no Porto (basta gastar mais dinheiro a purificar a água), nem em Viseu (graças aos camiões e aos comboios). Não se justifica portanto, desta vez, o sobressalto de desviar jornalistas de Lisboa e da Web Summit. Muito menos mudar alinhamentos de telejornais de assuntos bonitos e urbanos para assuntos feios e rurais. Vamos ao night summit? Ou preferem o sunset summit?
* EDITOR-EXECUTIVO