Ou a CP muda ou mude-se a CP
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Num contexto de eleições antecipadas, com o país mergulhado na instabilidade política e com um Governo “em gestão” – logo, com uma capacidade negocial limitada para responder a reivindicações salariais – os insondáveis sindicatos da CP entenderam que seria a altura ideal para paralisar a empresa. Se não fosse trágico, seria cómico.
Tratou-se, evidentemente, de uma ação de natureza política e com laivos de chantagem. Uma minoria, sempre ciosa dos seus direitos laborais, não se importou de boicotar um serviço público essencial às populações para ganhar ascendente negocial junto da tutela. Agiu com total indiferença perante as circunstâncias, não foi forçada a serviços mínimos e prolongou a greve por oito dias, num gesto de autoritarismo gratuito.
Perante a gravidade dos acontecimentos, Luís Montenegro deixou escapar um discreto desabafo em cenário de campanha: “um dia, vamos ter de pôr cobro a isto”. A minha esperança é que esse dia não esteja longe e que o Governo coloque a resolução deste bloqueio como uma das prioridades da ação política nos próximos anos.
A CP presta um serviço demasiado relevante ao país para estar capturada por forças sindicais, que condicionam qualquer tentativa de reformar a empresa ou melhorar os seus níveis de qualidade. Em 2024, já depois do recorde de greves atingido no ano anterior, o operador público registou os seus piores níveis de pontualidade de sempre, com apenas 78,3% de comboios a chegarem “a tempo e horas”. O indicador piora substancialmente, quando se olha para o longo curso, com o Alfa Pendular a registar 34,4% de pontualidade e o Intercidades, 42,5%. Isto, num ano em que a disponibilidade de rede foi de quase 80%, travando um ciclo negativo que vinha desde 2018.
Não é difícil imaginar o que está na origem destes resultados. Mas o problema da conflitualidade laboral na CP, as supressões constantes e as falhas na gestão da rede não podem continuar a ser questões atiradas para debaixo do tapete. É urgente intervir no operador público ferroviário e isso não significa necessariamente avançar para a privatização, até porque o modelo já provou ter falhas noutros países. Significa, antes, haver abertura e compromisso político para a mudança. Se os sindicatos da CP não estiverem disponíveis, então mude-se a empresa.