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Todos os anos, por esta altura, a revista "Time" destaca as 100 personalidades mais influentes do Mundo. E surpreende sempre. Desta vez, a lista é ainda mais diferenciada. Por três razões: porque seleciona nomes inesperados, porque desafia personalidades importantes a escrever depoimentos sobre pessoas cuja ligação nem sempre parece óbvia, porque procura facetas mais desconhecidas de rostos com inegável notoriedade pública. Eis uma grande lição para o jornalismo e para quem costuma estar no centro da noticiabilidade: criar agendas alternativas, com outros temas e com diferentes atores sociais.
Resultado de um amplo debate entre académicos, a revista "Time" publicou, em 1999, o elenco das pessoas mais influentes do século XX. A partir de 2004, a lista tornou-se anual, dividindo-se por cinco grupos. Este ano, os pioneiros são liderados pela atriz americana Tiffany Haddish e o grupo dos líderes abre com Satya Nadella, atual diretor-executivo da Microsoft. Nos artistas, a atriz Nicole Kidman comanda as opções, nos titãs o nome escolhido é o de Roger Federer e nos ícones o destaque é concedido à cantora Jennifer Lopez. Eis um conjunto de nomes que poucos conseguiriam apresentar como líderes mundiais nas respetivas áreas, mas a revista norte-americana arrisca fazê-lo. Num artigo em que explica estas opções, o diretor da publicação Edward Felsenthal sublinha a diversidade geográfica e o equilíbrio de género dos escolhidos, reconhecendo, por outro lado, que a lista pode surpreender. Citando o presidente do Council on Foreign Relations Richard Haass, Felsenthal escreve que 2018 tem sido um ano singular, havendo quem pense que este é o momento mais perigoso da história americana. Percebe-se por aqui a subalternidade a que é votada a classe política mundial...
Todavia, os políticos americanos não estão ausentes. Se é verdade que Donald Trump ocupa um vergonhoso 11.º lugar no grupo dos líderes, a "Time" encontrou uma forma de valorizar o anterior presidente dos Estados Unidos. Barack Obama foi desafiado a escrever sobre os adolescentes da Florida que organizaram "A marcha pelas nossas vidas", na sequência do tiroteio em Parkland, onde em fevereiro morreram 17 pessoas. As manifestações multiplicaram-se por várias cidades em todo o Mundo, principalmente nos EUA. "Eles têm poder para rejeitar os velhos constrangimentos, as convenções ultrapassadas e a cobardia trasvestida de sabedoria", escreve aquele que reconheceu antes de abandonar a Presidência norte-americana que a sua maior frustração no cargo foi o fracasso na aprovação de uma legislação de controlo de armas. Está aqui o mote para o convite feito pela "Time", mas não deixa de espantar encontrar um ex-presidente dos EUA a escrever sobre um movimento de cidadania protagonizado por adolescentes. Uma excelente opção editorial, sem dúvida.
Roger Federer, para além de liderar os titãs, é uma das seis capas que a "Time" multiplicou esta semana para anunciar as suas 100 personalidades do ano. Poder-se-ia pensar que esta escolha destaca as impressionantes vitórias deste tenista de inegável reputação mundial. Isso também acontece, mas o ângulo da distinção é a Fundação Roger Federer, criada em 2003 para ajudar crianças desfavorecidas. O depoimento sobre esse trabalho é assinado por Bill Gates que, a par de considerar Federer "o maior tenista de todos os tempos", garante que, com esta obra de cariz social, "está a ajudar a tornar o Mundo num lugar mais igualitário".
É uma edição diferente esta da "Time". Poder-se-ia apenas ler o número desta semana, seguindo com atenção os depoimentos sobre cada uma das 100 personalidades destacadas. Todavia precisamos aqui de passar além dos textos para reter duas importantes lições: o jornalismo pode fazer-se com diferentes atores sociais e continuar a reunir um inegável interesse público; e as habituais fontes de informação podem falar de realidades mais periféricas do espaço mediático e ter, através desses discursos, maior repercussão na vida das pessoas. É verdade que esta é uma publicação com impacto à escala global e com um universo referencial lato. No entanto, tudo isto pode ter interessantes réplicas à escala do nosso país. Haja coragem para arriscar.
PROFESSORA ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO MINHO