O imposto extraordinário é mais do mesmo, mau. Inevitável, por precaução ou necessidade (...). Por agora, continuo a não ter confiança que o Estado venha a usar bem o dinheiro que assim me vai extorquir.
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"Out of the box". Esta expressão começa a aparecer, cada vez mais, quando se alvitram soluções para as economias europeias envolvidas no turbilhão da dívida soberana. Refere-se a propostas não convencionais, heterodoxas. Cavaco Silva seria, à partida, uma das pessoas de quem menos se esperaria algo desse género. No entanto, a sua defesa de uma desvalorização do euro, se não é uma total novidade, não pode ser considerada uma ideia habitual. Reflecte intuição de que, no curto prazo, a única maneira de alguns países europeus, incluindo Portugal, recuperarem capacidade de competir nos mercados fora da União Europeia, passa pela possibilidade de baixarem os preços dos seus produtos ou serviços - o euro forte torna a Europa menos apetecível para os turistas americanos, por exemplo. Na generalidade dos casos, trata-se de países com uma especialização em bens e serviços facilmente replicáveis por terceiros que fez deles presas indefesas quando emergiram na cena económica mundial competidores com salários (muito) mais baixos. Como se não bastasse, à medida que o euro se foi valorizando, mesmo a sobrevivência daqueles que foram conseguindo alguma diferenciação se tornou mais difícil. São estes que, muito provavelmente, estarão na cabeça do presidente, já que os primeiros são passado. Os mais cépticos argumentarão com a inviabilidade da medida e lembrarão que não nos dará vantagem sobre os outros países da moeda única. É verdade. Como é verdade que, mesmo na Zona Euro, permitiria que nos defendêssemos melhor de países terceiros e estimularia a diversificação para novos mercados, onde o dólar seja a moeda de referência. Há, certamente, questões de operacionalização. Como é provável que haja outras políticas que possam alcançar os mesmos objectivos, com menos complicações. O ponto não é esse. Enquanto economista informado, Cavaco Silva saberá tudo isso. Se bem o interpreto, pretendeu dar um sinal de que não está muito convencido de que as medidas ortodoxas sejam suficientes para nos tirarem da ribalta onde temos estado.
Ao contrário do chefe de Estado, Miguel Cadilhe é alguém que nos habituou a propostas ousadas ou, mesmo, polémicas. "Out of the box". Face à necessidade de apresentar serviço para readquirirmos reputação, tem vindo a defender a tributação do património líquido e não do rendimento. Haveria uma isenção de base, aconteceria uma única vez e iria, directamente, para abater à dívida. Merece reflexão, além do mais por manter a pressão para cortar na despesa. Interessante é ter-se agora sabido que esta sugestão não mereceu a concordância dos patrões, natural dado que muitos viriam a ser fortes contribuintes. Como a taxa era a mesma para todos, pagaria mais quem mais tinha acumulado. Pode argumentar-se que esse pecúlio será fruto de muito labor mas fica-se com a ideia de que, entre nós, tal como o mercado, também os sacrifícios são bons para os outros. Quão distantes estamos (ainda?) da noção do "give back to society". Em Portugal, dá prazer morrer rico...
O programa do Governo enuncia algumas ideias que, em especial no domínio da economia, rompem com a tradição centrista prevalecente. "Out of the box". É uma ruptura útil: para evitar a discussão fulanizada é importante que haja propostas realmente distintas, assumidas como tal. Não é o caso do imposto extraordinário. É mais do mesmo, mau. Inevitável, por precaução ou necessidade. Com, pelo menos, duas contradições: 1) se não se tributa os rendimentos dos depósitos para não desestimular a poupança (a passagem da taxa liberatória de 20 para 21,5% teria esse impacto?!), há a obrigação de remunerar aqueles que venham a ser reembolsados de IRS pago a mais e se verão forçados a entregar uma parte da sua poupança potencial; 2) se o objectivo é estimular a poupança, não poderiam entregar-nos certificados de aforro no montante equivalente ao imposto extraordinário? É que, por agora, continuo a não ter confiança que o Estado venha a usar bem o dinheiro que assim me vai extorquir.