Outliers do empreendedorismo feminino
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O dia começou agitado naquele auditório. Iniciava-se uma nova edição de um programa em empreendedorismo. Os participantes ouviam o cronograma dos próximos meses. Olhei à minha volta. Tentei medir a ambição nas suas expressões. Era entusiasmante partirmos todos de um local comum no desenvolvimento das nossas ideias de negócios. Nesse momento ainda não tinha percebido o quão errado era este pensamento – a minha ideia empresarial já partia em vantagem, apoiado pelo simples facto de ser homem, ou sendo mais rigoroso, por não ser mulher.
Só mais tarde fui confrontado com o primeiro dado de desigualdade relacionado com o empreendedorismo feminino – apenas 14% de todo o ecossistema português de startups é fundado ou liderado por mulheres. Este número surgiu em conversa com duas figuras femininas do ecossistema empreendedor nacional. Confesso que perante este resultado tão desigual, e não habitual no universo masculino, senti necessidade de pesquisar sobre o seu contexto e enquadrá-lo com dados estatísticos do mundo empreendedor feminino.
Aquele número era exato. Só não estava sozinho. As empreendedoras participantes foram expondo as restantes desigualdades, uma por uma, ao longo daquele programa de aceleração de ideias de negócios. Desigualdades como o desequilibrado acesso a investimento de capital de risco, onde startups exclusivamente fundadas por mulheres apenas somam 1,5% da totalidade investida; o bias na avaliação de projetos ocorrido em empresas europeias de Venture Capital, onde apenas 15% dos decisores são mulheres; ou a escassa minoria percentual de 27% de mulheres em cargos de liderança na generalidade das empresas portuguesas, que cria uma lacuna na compreensão de desafios e oportunidades de outras mulheres.
Existem atualmente políticas de igualdade de género e de transparência salarial a serem gradualmente implementadas no tecido empresarial português. Mas quando falamos em empreendedorismo, em que nove em cada dez empresas falham, não basta regular, é preciso inspirar e aumentar a percentagem de fundadoras de sucesso. Os dados estatísticos são desfavoráveis, mas talvez sejam os outliers femininos parte da resposta. As caras e vozes que inspiram e fomentam a confiança em ser empreendedora. Que ativamente estimulam redes de apoio e defendem a justiça nas oportunidades e no investimento. Que acreditam, e fazem acreditar, que é possível acelerar a mudança. Que, também a mim, me inspiraram a escrever que é urgente promover e defender o empreendedorismo feminino.