Ao José Manuel Mendes.
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Regresso de Cantelães. As primeiras férias sem a minha cadela casaram a profunda saudade que deixa com a frustração de nunca ter visto meus Pais à cabeceira da mesa da cozinha. E reforçaram uma estranha melancolia pacificada, aquele é o meu destino - junto a eles; na árvore rodeada de flores, sentinela de guarda a casa e tribo. É a tristeza a reclamar direitos, sem dramas ou antidepressivos, aceite como natural.
O carro "artilhado" com acessório ternurento, o José presenteou-me com uma colectânea de Serge Reggiani. A voz grave, a beleza das melodias, a força das letras e a nostalgia da língua francesa em que fui educado, hoje quase clandestina, atrasam angústia semanal - escrevo sobre quê?
O velho Serge ao volante - "Moi j"ai le temps/Et tout m"étonne/Bien que ce soit/Presque l"automne". É verdade, tenho mais tempo livre, por opção pessoal e gentileza vírica. É verdade, dois outonos estão à porta, o meu e o do calendário. Em contrapartida, já não me surpreendo com facilidade...
Mas acontece! Percorro o meu mural do Facebook e tropeço na condenação por Merkel da subida do antissemitismo e racismo na Alemanha. Fui surpreendido por esta mulher, alucinei-a gélida e obcecada por cifrões, hoje considero-a trave-mestra de uma certa ideia da Europa. (Que não inclui 29 polícias alemães suspeitos de disseminarem propaganda neonazi!)
A propósito de racismo - "Campanha mundial contra a discriminação pela idade". Quarenta organizações de todo o Mundo lançaram a Old Lives Matter contra o idadismo. A Sociedade Francesa de Geriatria e Gerontologia sublinha que é a discriminação mais universal e que aumentou durante a pandemia, sobretudo pela ausência de diálogo com os interessados e as suas famílias quanto às medidas tomadas, em particular no quadro das instituições. Acrescentam os investigadores que os mais velhos discriminados vivem, em média, menos sete a oito anos.
Estaremos condenados a olhar com angústia o tempo suplementar de que dispomos, oferecido pela ciência e por estilos de vida mais saudáveis? Não apenas pelos achaques normais da idade, mas por força de uma sociedade que recusa a cidadania plena a gentes cujas rugas invadem a pele e por vezes, dramaticamente!, os neurónios, mas não o coração?
De novo Reggiani: "Il suffirait de presque rien". Este "quase nada" global, feito de solidariedade e aceitação do Outro, não deveria ser mendigado pelos idosos de uma forma humilhante; é-nos devido.
Mas porque tarda?
Psiquiatra
o autor escreve segundo a antiga ortografia