Corpo do artigo
“Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder”, insultando-se mutuamente de “corruptos”, “esbanjadores da fazenda” e causadores da “ruína do país”. 150 anos depois d’As Farpas queirosianas, Portugal pouco mudou e continua refém daqueles apetites, de crise em crise e de caso em caso. A campanha eleitoral em curso promete, pois, ser pródiga em animação, mercados e malabarismos retóricos; os desestabilizadores de ontem procurarão, hoje, fazer-se passar por guardiães da estabilidade (ou vice-versa), comprovando a atualidade da frase de Lampedusa segundo a qual é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma.
Mas não é possível que as coisas continuem como até aqui. A estabilidade não pode ser apenas uma arma de arremesso para fins políticos e a previsibilidade da administração pública tem de ser garantida independentemente da duração dos ciclos governativos. Caso contrário, não será exequível levar por diante investimentos cuja concretização se prolonga por vários anos (e vários governos), o que significa que os fundos comunitários a eles destinados acabarão por perder-se, conforme parece que sucederá com boa parte dos milhões do PRR.
O maior transtorno da permanente campanha eleitoral em que vivemos é a falta de resposta dos ministérios e dos gestores públicos, provavelmente à espera de novas ordens. A isto acresce a constante alteração das regras estabelecidas para a execução dos investimentos. É deste modo impossível correr o risco de iniciar obras que, após superarem a infernal burocracia do Estado, têm, afinal, de estar totalmente prontas em junho de 2026, e não no final desse ano, sob pena de já não serem elegíveis para o financiamento parcial do PRR.
O país ficará, assim, privado dos investimentos estruturais em conhecimento e ciência, das habitações a custos controlados ou das residências universitárias de que necessita. Os milhões comunitários, já o sabemos, acabarão por encontrar outro destino, mas, continuando tudo na mesma entre nós, é provável que voltemos a desperdiçá-los.