Com a ida de Moutinho para a Mónaco e a anunciada saída de Rui Patrício, há o risco de nenhum titular da selecção nacional jogar em Portugal. Qualquer pessoa dirá que tal se deve ao facto de os clubes portugueses não terem capacidade para competir com os salários pagos pelos grandes (e ricos) clubes estrangeiros. Conscientes dessa situação, os principais clubes portugueses têm tentado virar a situação a seu favor: investiram nas competências de prospecção e valorização de jogadores para, mais tarde, os trespassarem com mais-valias. Incapazes de encontrar a "matéria-prima" entre nós, os clubes voltaram-se para o mercado internacional. Em resultado, o futebol tornou-se uma das nossas actividades mais internacionalizadas, patente no reduzido número de jogadores nacionais que integram as principais equipas portuguesas.
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Embora me pareça ser um tema que merece debate, não é o estado do futebol português e as ameaças sobre o seu futuro que aqui me trazem, hoje. Mais uma vez, é a questão da qualidade da gestão que me preocupa. Duas semanas atrás, foi anunciado que Zeinal Bava, presidente executivo da Portugal Telecom, deixaria esse lugar para passar a exercê-lo na brasileira Oi. Quis o acaso que me encontrasse no Brasil nessa altura. O destaque dado ao facto nos principais noticiários e publicações económicas daquele país agradou-me. Ao contrário do que acontece com os jogadores de futebol, pouco se sabe dos valores envolvidos nesta "transferência" mas fala-se de muitos milhões. Bava é um gestor conceituado, cujo nome aparece, regularmente, entre os melhores da Europa. Numa indústria em forte transformação, é natural que haja uma grande apetência por competência e talento, onde quer que ela esteja, e que tal tenha um preço. O mercado de trabalho torna-se internacional. Tal como nos jogadores. Acontece que, ao contrário do que sucede no futebol, em que todos compreendem este processo, quando se fala dos chamados "ordenados milionários" dos gestores, a reacção é de indignação. Pouco importa que, pela via dos impostos, contribuam generosamente para os cofres do Estado ou que quem os aufere tenha uma responsabilidade bem maior do que dar uns pontapés na bola (e outros tantos na gramática): os ordenados dos gestores são, em Portugal, sempre motivo de escândalo. Talvez esta saída de Zeinal Bava, como antes a de Horta Osório, possa ajudar a compreender que o mercado dos gestores é, cada vez mais, mundial, marcado pela mobilidade. Se a Galp quis ter um gestor português, com competências indiscutíveis na área do petróleo, teve de ir recrutar Ferreira de Oliveira no mercado internacional e pagar-lhe para ele voltar. Melo Ribeiro está à frente da Siemens em Portugal não por ser português mas por ter dado provas, em concorrência com outras unidades do grupo. Melo Pires substituiu, na Auto-Europa, um gestor alemão, após uma longa carreira internacional na Volkswagen e nada nos garante que a termine cá.
São bem pagos. São. Demasiado? Em princípio, o que resulta das alternativas que o mercado lhes oferece. A preocupação central não deveria ser essa mas a de garantir que as empresas escolhem os melhores, os mais capazes, sejam eles portugueses ou estrangeiros, e os sujeitam a uma avaliação rigorosa. Um paralelo com o futebol motiva, contudo, reflexão: há poucos gestores de outras nacionalidades a trabalhar entre nós, numa época em que se exige cosmopolitismo. Sabe-se que paroquialismo e complacência andam, frequentemente, de mãos dadas. Essa sim, seria uma discussão que valeria a pena.
P.S.: Azevedo Pereira gere a Autoridade Tributária (AT). Não antecipou as consequências de uma notificação expedida, quase em simultâneo, para largos milhares de contribuintes. Acresce que a informação contida no portal da AT induz em erro: não obstante os "alertas" indicarem "situação regularizada" e de na rubrica "dívidas fiscais" nada constar, o IUC pode estar em falta! Resultado. Confusão e stress nos serviços e muitas horas perdidas por milhares de contribuintes. Um custo de contexto! Reformar a administração pública é, muitas vezes, mais um problema de gestão do que de organização.
O autor escreve segundo a antiga ortografia