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Uma caminhada vale mais do que uma comissão parlamentar, mais do que o ministro (esse ministrengo), mais até do que o presidente da República e suas declarações ao país.
Uma boa caminhada seria uma boa forma de viver, longe da barulheira em que vivemos, que é muito parecida com o jardim de infância. Os meninos à mesa não se comportam, no recreio o mesmo - quem lhes dá o tabefe?
Ninguém - e eles continuam a portar-se mal. Uns atiram bicicletas, outros dizem ter recebido murros e agressões selvagens, do tipo símio; e outros - o primeiro dos ministrengos - acusam cidadãos de roubo, e que se real lixe a presunção de inocência.
Mais vale acharmo-nos todos presumivelmente um pouco culpados. Fecha-se a porta, correm-se as grades, põe-se a placa dizendo "país fechado", e assim nem chegamos a perceber que a execução do PRR - diz-se à boca miúda, à boca calada - está tão atrasada, tão engalfinhada, que nem execução é. Custa-nos processar os milhões europeus por um filtro tão incompetente como Portugal.
As árvores do campo nunca se organizaram em comissão parlamentar. Passeio por entre elas em boa caminhada e acho que vivem melhor, elas que nunca responderam sob juramento ou mexeram em dinheiros públicos. Nunca uma árvore foi votante do Chega, nem fez carreira nas jotas. Mas também lhes falta a nossa atracção do abismo e a nossa maneira de cair completamente.
Contudo, por vezes apetece caminhar longe, para onde não se berra tanto sempre. Para tão afastado da mediocridade que não baste sequer o passeio no campo ou a viagem de avião. Por vezes não basta a companhia das árvores, apesar de elas nunca terem pensado na coisa pública.
Eu agora desejo um ovni. Que ali à frente poise um sr. ovni e me peça para entrar, avisando que não aplica sondas nem faz experiências. Apenas quer levar-me numa jornada intergaláctica. E que me sirva um refresco de despedida. Mas uma bebida da nossa espécie, porque, para um extraterrestre, ácido sulfúrico é cocktail.
Subo e sigo. Agora também sou um voador não identificado. Primeiro poucos metros em levitação, depois umas centenas em propulsão. Porém, a esta altura, ainda se ouve berrar, quase se vê os dedos em riste. O ET tapa os seus três ouvidos com os vinte e quatro dedos e carrega no propulsor. ZzzzzzzzzzzZ!
No espaço, ninguém nos ouve queixar. Em baixo, onde o planeta é o único chão, fica o hemisfério norte. E aquele apontamento no extremo da Europa, o que é? Ali: um rectângulo, uma faixa da península, e agora quase nada.
Aquilo ali?, pergunta o ovni. E eu respondo-lhe: a esta distância, que bonito, quase parece um país.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)
*Escritor