Era uma empresa quase mítica cujo produto, como se costuma dizer, integrava o imaginário português. Ambiciosos, os donos "compraram", sem ponderar, o canto de sereia da expansão pela via internacionalização. Como muitas empresas antes dela, e outras tantas depois, acatou a prioridade estabelecida pelos governantes da altura. Já foi Brasil, já foi Espanha, já foram os mercados emergentes, já foram...... À procura da fortuna, encontrou a desgraça. Ignorou a evidência que, estudo após estudo, país após país, ano após ano, se vem confirmando: em média, para se começar a obter retorno nos projectos de internacionalização que envolvem investimento no estrangeiro (não estamos a falar de exportação), são precisos cinco a sete anos. E a média, sabemos nós, é o que é. Dizia-me um empresário: "Julgava que a corrida era de 100 metros e era uma maratona. Não tinha competência, nem resistência". Apostou mais do que devia e podia. Ao afundar-se, lá fora, levou consigo a casa-mãe.
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Num outro caso, uma empresa, também de larga tradição, arrasta-se, há anos, num processo de degradação progressiva. O diagnóstico é unânime: quem sucedeu ao fundador tem na cabeça uma estratégia que ninguém entende e se revela ruinosa. Para piorar as coisas, arroga-se saber e competências que, de todo, não possui. Intolerante, incapaz de reconhecer o erro, tem afastado, um após outro, técnicos idóneos. Está à vista de todos que a falência espera ao virar da esquina, atirando mais de uma centena de trabalhadores para o desemprego. E não tinha de ser assim!
Como não tinha de ter sido assim no caso de uma outra empresa, já em processo de insolvência. Contava entre os seus clientes nomes do luxo mundial, mas não tinha gestão. A troco de uma entrada no capital e da assunção da administração houve quem se propusesse dar-lhe rumo. Os proprietários resistiram, pediram mundos e fundos. Quando se predispuseram a negociar, tentaram ludibriar. Uma auditoria competente detectou o estado lastimoso das contas e a mentira. Quebrada a confiança, romperam-se as negociações. O destino ficou traçado.
Os exemplos são ficcionados mas partem de casos reais. Em comum, os erros de gestão e o serem empresas familiares com gestão não profissional. Não se pense, porém, que é um exclusivo ou uma fatalidade. Em média, a gestão das empresas portuguesas deixa muito a desejar. Não me baseio em meia dúzia de estórias como as que arrolei. Não é uma matéria de opinião pessoal. Inquéritos a gestores de empresas multinacionais presentes entre nós asseguram-no, reconhecendo, ao mesmo tempo, a capacidade de aprender e se ajustar dos gestores portugueses quando confrontados com normas e procedimentos mais exigentes. Só isso já justificaria a prioridade à fidelização e captação de investimento estrangeiro como elemento da revitalização da economia portuguesa.
Estudos independentes, em que a qualidade da gestão das empresas portuguesas é analisada em comparação com outros países, confirmam o antedito. Entre 20 países, ocupamos o 14.o lugar. A correlação com o nível de desenvolvimento é evidente. Atrás de nós situa-se, como vai sendo costume, a Grécia e países como o Brasil, a Índia ou a China cujo ritmo de crescimento faz perigar a nossa posição...
Contra o que alguns seriam tentados a argumentar, nem tudo é fruto dos custos de contexto: as multinacionais presentes em Portugal têm uma qualidade de gestão acima da média do conjunto dos países estudados. Em todos, a gestão é pior em empresas familiares com gestão familiar. Mas não é uma fatalidade: empresas familiares com gestão profissional, de familiares ou não, apresentam um desempenho acima da média.
Uma melhoria na qualidade da gestão pode fazer mais pela economia portuguesa do que a generalidade das políticas. Contudo, estas podem ajudar. Por exemplo, reforçando os incentivos aos estágios e ao recrutamento de jovens qualificados. Soares dos Santos sugeriu um programa que aproximasse as PME de pessoas desempregadas, ou na reforma, com uma carreira na gestão. Não são medidas onerosas e podem ter grande impacto na competitividade das nossas empresas.