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Tenho a profunda convicção que uma parte significativa dos portugueses estaria mais que qualificado para um dia ser chamado para encabeçar o Ministério das Finanças. É inacreditável a criatividade que um português demonstra, todos os meses, quando cai o ordenado. Depois da renda, depois da água, da luz e do gás, este povo ainda tem grandeza de espírito para se submeter ao supermercado.
Nos últimos tempos, o preço do cabaz de bens essenciais aumentou e estima-se que esteja agora nos 239 euros. Uma das razões é a guerra na Ucrânia que, desde que começou, aumentou em mais de 30% o valor dos produtos. As pessoas que dizem “Eu não gosto nada de ir às compras” geralmente são pessoas cujo orçamento familiar inclui, no máximo, mais um adulto, logo entre um iogurte da danone ou um de marca branca é um bocado indiferente. Porque um elemento de uma família de quatro ou cinco não tem alternativa. Não pode ter aquele discurso de amigo meio parvo que é “ai eu quando vou às compras é: leite, agarro no primeiro que me aparece. Arroz, é o que tiver à mão… eu quero é despachar-me”. É, Jorge? Para teres mais tempo para fazer o quê? A tua vida é tão interessante. Ficas com menos disponibilidade para estares no Instagram a fazer gostos sucessivos em fotos de miúdas que não conheces?
Bom, mas como se não bastasse os aumentos de artigos como o óleo ou a farinha por causa da guerra, agora há uma gripe das aves que tem levado ao abate de milhares de galinhas e o preço dos ovos subiu pela terceira semana consecutiva. Estas movimentações nos mercados dos frescos são muito semelhantes ao mercado de ações, mas a diferença é que aqui a bolsa vai cada vez mais vazia. Uma dúzia de ovos está a três euros e meio. E isso são as caixas de ovos mais baratas. A surpresa que foi descobrir a categoria dos ovos mais caros: “galinhas criadas no solo” e “galinhas criadas ao ar livre”. Eu achava que todas as galinhas eram criadas no solo, mas aparentemente existe a categoria “Galinhas criadas sabe Deus como”. São galinhas que tiveram pais muito ausentes e que foi um mero acaso não terem virado strippers. Eu confesso que desde que percebi que há galinhas que não são criadas no chão e que há galinhas que foram criadas no chão, mas que nunca viram o sol, que me emociono sempre que vejo o filme “A fuga das galinhas”. (Da próxima vez que forem às compras, vejam o carimbo inscrito nos ovos e escolham idealmente a caixa que começa com PT0, depois podem ir até ao PT1 e no máximo PT2 que são provenientes de galinhas criadas no solo, embora seja o chão de um pavilhão). É este tipo de dicas que vocês também levam daqui.
O ovo é um dos alicerces deste país. É um pilar que nos mantém de pé. Sabem porque é que a galinha atravessou a estrada? Para vir para Portugal porque a estrada era a nacional 332 que faz fronteira com Vilar Formoso e ela era uma galinha poedeira. O nosso receituário prova que o ovo sempre foi uma proteína privilegiada pelas classes mais baixas e trabalhadoras. Pratos como açorda ou ervilhas com ovos, de repente, são exclusivos para dias de festa. Depois, se acabam os ovos, a nossa doçaria desaparece. Dá-me ovo, dá-me açúcar e outra coisa qualquer e temos uma receita que enche o olho e o bandulho. Todo este aumento que faz com que um ovo de galinha esteja quase ao preço de um ovo Kinder torna o pão de ló e o folar nos símbolos mais burgueses de uma mesa pascal. Se quisermos mostrar que estamos mesmo muito bem na vida, é um pão de ló e um abade de Priscos. Se vos mostrarem um pão de ló e um molotof, não se deixem enganar porque são losers que não quiseram desperdiçar as claras.
Entretanto, se as pessoas começarem a ter galinheiros na varanda, não se atrevam a denunciar ao condomínio porque é uma prioridade nacional. O povo português é conhecido por ser desenrascado, por isso, se há povo que sobrevive a estas privações e desafios globais somos nós. A História ensinou-nos a nunca contarmos com o ovo no cu da galinha e ao longo do tempo tornámo-nos especialistas a fazer omeletes sem ovos.