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À hora a que escrevo esta crónica, não são ainda conhecidos os resultados do referendo grego, o que me coloca um problema. Mas, à imagem do que se exige agora ao povo helénico, há que transformar a dificuldade numa oportunidade, pelo que me debruço sobre a questão de fundo da crise grega, algo que vai mais longe do que a simples aceitação ou rejeição da última proposta dos credores.
A polarização da questão entre o "oxi" (não) e o "nai" (sim) é uma formulação pobre, muito alimentada pelas instituições europeias e por Berlim. Na sua ótica, a vitória do "não" significaria a saída do euro e da União Europeia. O "sim" representaria a salvação. Aqui, coloca-se todo o odioso no Syriza e na sua condução do processo negocial, de que resultou uma Grécia à beira do colapso.
Este é o cenário típico da parte mais forte: reduzir a escolha a um ultimato e encontrar um bode expiatório. Cenário que o Syriza precipitou com a convocação do referendo. Só que há outra perspetiva, mais próxima da essência do problema, que atira o resultado da votação para a irrelevância. Ganhe o "sim" ou o "não", a Europa não poderá jamais voltar costas à Grécia, pela simples razão de que o que está a acontecer tem, para além dos erros próprios de Atenas, uma enorme quota parte de responsabilidade de Bruxelas (e de Berlim).
As declarações de alguns líderes europeus, no período que antecedeu o referendo, mostram uma má consciência e um certo pânico face à perspetiva de vencer o "não". Bem sintomática foi a tentativa europeia de bloquear a divulgação do relatório do FMI que demonstra que a dívida grega é impagável e que, para além de um novo resgate, terá de haver uma reestruturação ao nível das maturidades, dos juros e, mais importante, do montante. Ou seja, terá de existir um perdão parcial, o chamado "haircut". Esta conclusão esteve sempre presente nos argumentos do Governo grego nas negociações dos últimos cinco meses, mas os parceiros europeus, liderados pela ortodoxa Alemanha e seguidos pela matilha de cachorros de coleira, preferiram ignorar o óbvio.
Independentemente do resultado do referendo e da manutenção do Syriza no poder, nada será igual na Europa. Ou a União puxa da sua solidariedade e desenha uma solução honrada e viável para a Grécia, tratando-a como um dos seus, ou terá criado o mais alarmante polo antieuropeu, numa zona de extrema importância geoestratégica, abrindo a porta a um processo de decadência do projeto de construção que trouxe o mais longo período de paz no Velho Continente.