Confesso que quando ouvi o primeiro-ministro dizer que uma parte significativa do meu subsídio de Natal ia ser nacionalizado sob a forma de um imposto extraordinário, senti uma profunda revolta. Estou farto de ser roubado por um Estado voraz, que se apropria da riqueza que criamos, que não presta contas sérias, que é mau pagador, e que tem vícios intoleráveis de novo-riquismo.
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Mas, depois de ouvir as explicações, concluí que não nos resta outra alternativa, porque é imperioso que, no final do ano, Portugal possa apresentar um défice que esteja dentro dos parâmetros que nos foram impostos, e com os quais nos comprometemos. E, a ser assim, compreendo que é preciso fazer mais um esforço individual, a bem do interesse colectivo que exige que Portugal arrume as suas contas, e que dê provas concludentes de que é capaz de resolver, com os sacrifícios que isso implica, a crise em que se encontra e que urge debelar.
Percebi que, ao contrário do que foi dito pelo Governo anterior, antes e durante o período eleitoral, a execução orçamental está muito longe de cumprir as metas que estavam definidas. E estamos a falar, apenas, no primeiro trimestre do ano, numa altura em que o PEC IV ainda não fora recusado pelas oposições, e em que a queda do Governo não serve de argumento para iludir a questão. Torna-se óbvia, por isso, a necessidade de fazer agora um esforço suplementar, não valendo a pena adiar as medidas que, mais tarde ou mais cedo, teriam que ser tomadas para compensar esses desvios orçamentais.
Creio que a bancada do PS na Assembleia da República teve o mesmo entendimento e, por isso, Maria de Belém Roseira foi prudente na sua resposta ao discurso do Primeiro-Ministro, embora me veja obrigado a descontar o discurso desbragado de Galamba, o homem que entende que o dinheiro não é um recurso escasso, e que adora exibir a sua teatralidade no Parlamento.
Ora, quando mais tarde ouvi os candidatos à liderança do PS, e em particular Francisco Assis, que muito considero como político sério, com uma carreira inatacável e com um sentido de Estado que ofusca o seu opositor, fiquei francamente irritado. É que Assis foi, enquanto líder da bancada parlamentar do PS, uma eficientíssima caixa de ressonância do anterior Governo. Ouvi-o, a ele, e por mais do que uma vez, dizer que a execução orçamental deste ano estava a decorrer de forma exemplar, que não havia desvios, e acusar a oposição, no seu todo, por contribuir para desestabilizar a situação do país, ao recusar o PEC IV e precipitar as eleições. Foi esse um dos principais argumentos que o PS esgrimiu durante a campanha. Para o leitor menos atento, sugiro que recorra ao sítio do PS ou ao YouTube, e ouça as afirmações de Fernando Medina, em 15 de Abril, em que anunciava uma "execução orçamental com saldo positivo".
É verdade que o PSD sempre colocou reservas relativamente a esse mito mas, sempre que o fez, o PS apressou-se a acusar Passos Coelho de estar a trair o interesse nacional, nomeadamente quando Catroga escreveu cartas a pedir esclarecimentos sobre a situação. Compreendo, ainda assim, que Assis tenha sido enganado por essa ilusão e que tenha acreditado nos seus camaradas no Governo.
O que me parece, contudo, intolerável, por muito que a sua condição de candidato à liderança do maior partido da oposição exija algum jogo táctico, é que Assis se mostre, agora, indignado por o novo Governo ter de recorrer a um imposto extraordinário, omitindo que esta colecta resulta do facto de o anterior Governo ter sido incapaz de cumprir com o que estava definido no Orçamento Geral do Estado, e esquecendo que ele foi cúmplice de uma manobra de encobrimento que procurou omitir essa triste realidade aos portugueses.
A todos nós, que fomos chamados a fazer um novo sacrifício, resta-nos esperar que esta seja o último pagamento por conta das mentiras que nos impingiram. Mas, em troca, temos o direito de exigir algum respeito e decoro por parte de quem voluntária ou inadvertidamente contribuiu para esse logro.