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Eu, cada um de nós, poderíamos estar naquela mesma hora e naquele mesmíssimo lugar onde um fanático desvairado acelerou a furgoneta em atropelo assassino sobre a multidão, Ramblas abaixo. Eu, cada um de nós, ou um dos nossos filhos, poderíamos ser um de entre aqueles 13 mortos ou a quase centena de feridos de 35 nacionalidades que se contam em Barcelona. É arrepiante, sequer admiti-lo! Vemos as imagens, ouvimos os testemunhos e, melhor que nós, o poeta diria que "o horror é uma palavra de cabelos em pé, assustada com a própria significação".
Bruxelas, Paris, Manchester, Londres, Berlim, Nice..., eis um roteiro europeu de ataques sangrentos e de medo a que juntamos agora os mortos e feridos de Barcelona, vítimas de mais um atentado do autoproclamado "Estado Islâmico", cuja principal arma de propaganda é fazer-nos acreditar que é a religião que nos divide, sendo nós e o nosso modo de vida os "infiéis a abater".
Há na Europa, que comunga religiosamente do euro, perto de 25 milhões de cidadãos de origem muçulmana, pelo que o islão é também uma religião europeia. Mas que a Europa e os europeus não se confundam: o inimigo não é o islão, mas o fanatismo que mata e morre matando, enquanto cavamos a diferença e as desigualdades. Doem-nos mais os mortos vizinhos que os do resto do Mundo. Acontece que um dos dados mais reveladores sobre o terrorismo jiadista, que amiúde passa despercebido, é que o maior número de atentados ocorre em países muçulmanos, e que a maioria das vítimas, e são às centenas, professa o islão. Do aeroporto de Istambul à mesquita de Medina, ou do restaurante de Daca à geladaria de Bagdad, eis outras geografias e cenários de terror escolhidos pelos jiadistas para enviar a sua mensagem letal, a coberto de retórica pseudorreligiosa. Sim, o jiadismo é também inimigo do islão.
Sangue, morte, alvos simbólicos e muito espetáculo, eis do que se alimenta o terrorismo para espalhar o medo e destruir a ambição de uma Europa unida, próspera e em paz. Inimigos da liberdade, interessa-lhes que voltemos a fechar fronteiras, que destruamos a livre circulação e endureçamos as políticas de imigração e asilo, que demos rédea solta à xenofobia. O delírio totalitário destes tresloucados parece ficção, mas Donald Trump nos Estados Unidos e Victor Orbán na Hungria ou Jaroslaw Kaczynsky na Polónia não propugnam coisas muito distintas. É o partido da guerra e tem fiéis em governos e oposições de diversos países europeus. Ceder ao medo é prestar-lhes um serviço.