Caracterizar Portugal como um país centralizado é consensual. Polémico é afirmar que, por isso, o desenvolvimento global do país, nele incluindo a região de Lisboa, tem sido prejudicado. Tanto mais polémico quanto, sobretudo desde o consulado cavaquista, explícita ou implicitamente, o modelo de desenvolvimento prosseguido tem assentado no pressuposto contrário, ou seja, que o crescimento da nossa economia teria em Lisboa o seu motor. Pouco adianta o desastroso desempenho económico da última década e meia. Refém de interesses instalados e de uma retórica sem fundamento empírico, a chamada "capitalidade" de Portugal não dá mostras de abrandar.
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Mesmo que o quisesse, nenhum governo poderia alterar esta situação de um dia para o outro. É, assim, natural que, nas negociações com a Comissão Europeia, se tenham criado excepções, tornando elegíveis para financiamento europeu a gestão dos programas operacionais bem como projectos que, conquanto ocorrendo em Lisboa, possam ter efeitos disseminados (spilled-over) pelo resto do país. Natural, mas arriscado. As estruturas geram e vivem da inércia. Sem uma política de discriminação positiva, mesmo limitado em âmbito, o "efeito difusão" pode ser uma caixa de Pandora.
Como a região de Lisboa tem poucos apoios europeus, o financiamento daqueles projectos é, praticamente, todo assegurado pelo resto do país. Como algum (a maior parte?) do efeito se faz sentir na capital, esse mecanismo configura uma transferência de recursos das regiões mais desfavorecidas para a mais rica. Se lhes dessem a escolher, o que decidiriam as regiões? Obviamente, estariam, ainda assim, dispostas a pagar se o benefício excedesse o custo - perda de fundos - que têm de suportar. Não é isso que acontece. Quem decide da bondade do projecto para o resto do país é Lisboa, perdão, o governo que, seguidamente, apresenta a conta e se faz pagar.
É claro que, se as regiões pagadoras tivessem de ser ouvidas, estas eram capazes de levantar uma outra questão: o projecto, sendo relevante, tem mesmo de ocorrer em Lisboa? Os vários portais e serviços de apoio têm de ser lá feitos e ficar lá? A deslocalização, por exemplo dos call-centres, permitida pelas novas tecnologias é apenas para as empresas e não para a administração pública? Desmaterializa-se em, e para, Lisboa? As unidades de gestão dos fundos não podem sair de lá? Não seria uma boa oportunidade para criar emprego qualificado noutras regiões?
Fazer política é fazer acontecer o que de outro modo não aconteceria. Soam, por isso, a capitulação as declarações de Rui Baleiras, responsável pela política regional, conformado com a "capitalidade" e desvalorizando o impacto por estarem em causa "só" 170 milhões de euros. Até agora! E será que essa verba inclui todos os projectos imputados às outras regiões, pelo facto de o IAPMEI, a Inovcapital ou a Agência de Inovação estarem aí sediadas, mesmo se os efeitos ocorrem em Lisboa? Isto para não falar de todas as organizações cuja actividade decorre, na realidade, em Lisboa mas que transferiram as suas sedes para outras regiões e, a partir daí, subcontratam serviços na capital. Que diríamos se os alemães começassem a sediar-se por cá e a comprar serviços lá?
Este é um dos casos em que não basta parecer. É preciso ser. Informação, transparência e vontade de mudar são apenas pré-requisitos.