Mais do que um convite a revisitar os seus livros, como quase sempre acontece quando um autor de exceção nos deixa, a morte de Cormac McCarthy convoca-nos para o silêncio e a reserva que cultivou ao longo da vida.
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O escritor concedeu com relutância escassas entrevistas e entendeu sempre dosear a palavra no espaço público. Uma contenção que contrasta com um tempo de exposição em que tudo se diz a todo o momento, numa overdose discursiva da qual dificilmente sobressai algo de verdadeiramente relevante.
A torrente faz parte da natureza das redes sociais, mas tem vindo a contaminar a comunicação social, com horas e horas de diretos e formatos ao minuto, em que a quantidade se sobrepõe ao papel de mediação, cruzamento de dados e fornecimento de contexto próprios da função jornalística. Da mesma forma que a política banalizou a palavra. Das comissões parlamentares de inquérito com oito horas de questões repetidas e agressivas, ao hábito de tudo ser comentado pelos titulares de cargos públicos, a palavra perdeu autoridade.
A voragem do direto, do imediato, de tudo dar a ver ao segundo, pareceria dotar-nos a todos de mais informação. Em teoria, teríamos a ganhar com a multiplicidade de imagens e dados à nossa disposição. Só que informação dispersa vale muito pouco sem o tempo necessário à reflexão e seleção. O tempo é uma categoria essencial à formação de conhecimento e toda a nossa organização social e política tem vindo a desvalorizá-lo. Na vertigem do imediato e na valorização da sentença categórica assim que o acontecimento se produz, é proibido ter dúvidas. Exige-se ao exército de comentadores respostas e certezas para tudo.
A falta de mediação e de reflexão, a mistura entre entretenimento e informação, a multiplicação de canais e de conteúdos exigem mais do que nunca sentido crítico. Sem ele, o mais será cada vez menos e deixa um profundo vazio. Ao vazio pode, paradoxalmente, aplicar-se a metáfora de Gonçalo M. Tavares para o mal: mais tarde ou mais cedo, irá cair-nos em cima como uma prateleira mal fixada. Sobre as nossas cabeças e, pior, sobre a democracia.