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Sábado, 3 da tarde. Filas de vários quilómetros estendem-se ao longo da chamada Avenida AEP num pára arranca. Um trajecto que leva 5 minutos a fazer demora 40. Razões? Obras de reparação do pavimento. Porquê este dia e hora? Porque sábado não é dia de trabalho. Que o diga quem trabalha nas empresas industriais em laboração contínua ou os milhares de trabalhadores dos centros comerciais, dos híper e supermercados ou do pequeno comércio que tem, nesse dia, o melhor da semana. Conceda-se, porém, que comparado com outro dia que não o domingo, há menos gente a trabalhar. O que não quer dizer que o seu tempo não tenha valor. Há ainda um outro custo: as centenas de litros de combustível consumidos a mais. Sucede que esses são custos privados e a empresa que adjudicou a obra procurou fazê-lo pelo custo mais baixo para si. Não os ignora (senão teria feito as obras a um dia da semana, evitando os eventuais encargos adicionais da obra ao sábado) mas não os incorpora nos seus custos. Se todos estes valores fossem tomados em consideração, talvez a decisão mais acertada fosse realizar as obras de noite. Haveria um sobrecusto para a empresa, mas o custo total para a comunidade poderia ser menor. Como se compreende, não é fácil encontrar formas de quantificar estes custos pelo que, mesmo as empresas públicas, acabam por funcionar numa lógica próxima das empresas privadas, mais a mais quando a pressão para equilibrarem as contas é grande.
O perigo está na generalização deste tipo de prática ou raciocínio na chamada gestão da coisa pública. Por razões diferentes, já Krugman alertava que um país não é uma empresa. Não apenas por razões de complexidade e de necessidade de ponderação de uma multiplicidade de interesses, como pela forma como quem gere é escolhido e, sobretudo, pela própria natureza das entidades em causa. Na empresa prevalece a hierarquia e não a democracia.
Quando uma empresa atravessa dificuldades que ponham em causa a sua sobrevivência, o tempo pode medir-se em dias ou meses. Os objectivos são, em regra, quantificados ("não se gere o que não se mede"), sendo a partir daí que se estruturam as medidas necessárias e o respectivo calendário. Parece ter sido essa inspiração para a proposta da troika e do Governo quando estabeleceram o objectivo de cortar 4 mil milhões de euros na despesa e partiram daí para a necessidade de refundação do Estado, num prazo inexequível e sem terem em conta aspectos peculiares, mas fundamentais, do poder num Estado democrático. Um erro primário que nos irá custar caro. Não sou eu que o digo. É puro bom senso. Quando o bom senso, além do mais, é reiterado por dezenas de estudos internacionais, mal se percebe a insistência do Governo num caminho que não leva a sítio nenhum. Explico. Na semana passada, numa organização conjunta do Banco de Portugal, Fundação Gulbenkian e do Conselho para as Finanças Públicas, decorreu uma conferência cujo tema era a reforma abrangente da organização e gestão do sector público. Um dos participantes, Christopher Pollitt, professor da Universidade Católica de Lovaina, num sobrevoo dos estudos sobre as múltiplas experiências encetadas, estabelecia que, não sendo os resultados das reformas absolutamente conclusivos, era, contudo, possível identificar um conjunto de erros associados ao insucesso. E listava-os: 1) receita antes do diagnóstico; 2) incapacidade em conseguir uma coligação suficiente para (apoiar) a reforma; 3) insuficiente capacidade para passar à prática; 4) pressa e falta de sustentabilidade na aplicação ao longo do tempo; 5) dependência excessiva de peritos externos em vez de pessoas locais com experiência; 6) ignorar os factores culturais locais. Mais palavras para quê? A coincidência entre os erros e aquilo que o Governo se propõe fazer é elucidativa e assustadora. Será que nem esta evidência nem o prestígio e independência das instituições promotoras retirará o Governo do seu ensimesmamento pedante? É imperioso que a reforma se faça, mas bem. Persistir no experimentalismo, nestas circunstâncias, não é só teimosia, é irresponsabilidade.