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Nos últimos dias, dois casos sinistros obrigam-me a escrever, mais uma vez, sobre e contra a pena de morte. Um deles, nos Estados Unidos, outro no Egipto. Em ambos, aquilo que sucedeu devia envergonhar-nos ou, pelo menos, fazer pensar quem tenha mínimos de decência e humanidade. O primeiro episódio, nos Estados Unidos, evidencia como os defensores da pena capital não conseguem, por muito que inventem tecnologia e por mais que pretendam disfarçar tudo em algo de asséptico e muito técnico, transformar em algo de aceitável o acto de dar a morte. Porque a execução, mesmo quando corre "bem", é um acto bárbaro. E, além de bárbaro, é ainda mais aberrante quando corre mal.
A história conta-se em poucas palavras. Clayton Lockett foi condenado a morrer por injecção letal. Pouco antes das 18.30 horas de terça-feira passada, injectou-se um sedativo nas veias do indivíduo. Para adormecer e depois lhe ser aplicado um cocktail de dois outros químicos. Um, para lhe paralisar os músculos, o outro para lhe fazer parar o coração e o matar.
Muito higiénico, muito civilizado. Só que, três minutos após a segunda injecção, o condenado começou a gemer, começou a gritar, começou a tentar libertar-se das correias que o prendiam. Dezanove minutos depois do início do "espectáculo", as cortinas fecharam-se, para ninguém mais ver Clayton morrer.
Além de higiénico e civilizado, tudo muito humano.
O director da prisão, como um chefe de orquestra depois de uma fífia desagradável, veio avisar os espectadores de um "pequeno" problema. A veia do condenado em que haviam sido injectados os químicos tinha decidido rebentar. Clayton morreu 43 infindáveis minutos após o início da execução. Mas, não devido aos químicos, antes com um ataque cardíaco fulminante. Clayton, aliás, desobedeceu uma última vez quando morreu, porque não fez a vontade ao director da prisão. É que este, da forma o mais profissional e misericordiosa possível, tinha entretanto decidido... adiar a execução! Dispenso-me de comentários.
O segundo episódio acontece mais a oriente, no Egipto.
Como alguns estarão recordados, Hosni Mubarak foi uma espécie de faraó ditatorial durante décadas por terras egípcias. Acabou por cair. Ou, talvez melhor, foi deixado cair pelo aparelho militar, entregue de forma sacrificial ao povo que, na rua, reclamava democracia.
Vieram depois eleições presidenciais em 2013, ganhas por Mohammed Morsi, cabeça de cartaz dos Irmãos Muçulmanos. E os militares sempre ali, à espera. Não esperaram muito, porque depressa perderam a paciência. E, vai daí, derrubaram Morsi em 2013. Os seus apoiantes não se ficaram, tentando recuperar nas ruas o poder que tinham como seu.
Mal fizeram, porque a repressão foi brutal, e milhares de entre eles foram detidos para depois serem julgados, outros foram mortos, outros torturados, outros fugiram.
Aqui só entre nós, muitos Estados suspiraram de alívio, embora formalmente criticassem o golpe militar, porque Morsi não augurava nada de bom. Por isso, olharam para o lado, deixaram andar.
Se entre nós nos queixamos da morosidade dos tribunais, devíamos aprender com a eficiência dos tribunais egípcios. Há alguns dias, um deles condenou à morte, não uma, não duas nem três, mas 683 pessoas, acusadas de participarem no ataque a uma esquadra de Polícia em Minya em 2013 em que morreu um polícia.
Já não chega a aplicação da pena capital. Agora, são paletes de condenações à morte, às centenas, em que o que interessa é aterrorizar (mesmo que sob a capa do Direito).
A pena de morte, nas democracias, é uma aberração. É inútil, viola a consciência humana e, necessariamente, corresponde - enquanto tal - a um tratamento desumano e degradante. Mas, lá onde não há democracia, é isto, e muito pior. É instrumento eficiente para os que detêm o poder, segundo o velho princípio de que um bom opositor é um opositor morto.
Nos Estados Unidos, a pena de morte começa pouco a pouco a ceder. Mas alguns dos seus defensores lembraram-se de uma espectacular solução: voltar à boa e velha guilhotina. É rápida, é barata, dizem eles, e cabeça que se corte não sofre.
Apetece é pedir-lhes que experimentem e depois nos contem.