Ensinam as enciclopédias que o Mundo dá uma volta completa sobre si próprio em 23 horas, 56 minutos, 4 segundos e 9 centésimos, o que equivale a dizer que todos os pontos da Terra avançam à mesma velocidade. A realidade, porém, tem uma palavrinha a dizer sobre o assunto: no dia seguinte à China ter colocado uma sonda espacial na Lua (passando a pertencer com a Rússia e os Estados Unidos, ao clube dos países "proprietários" do satélite natural da Terra), Nelson Mandela, antigo chefe de Estado de um país da Commonwealth foi a sepultar envolto em peles de animais, num violento ritual tribal onde um boi foi sacrificado até berrar como sinal de boas vindas dos antepassados, ao defunto.
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Três mil anos é realmente pouco tempo. Isso mesmo parece inferir-se do que se passa actualmente na colónia Fenícia de Paço de Sousa (Penafiel), onde um inovador sistema comercial de troca directa foi recentemente inventado, tornando obsoleto o uso da moeda: trabalhadores desempregados e carenciados recebem comida a troco de horas de trabalho prestadas a particulares!
Não há dinheiro envolvido. Aliás, já "não há dinheiro", de todo. Cada hora de trabalho representa não uma quantia em moeda (como devia) mas um "crédito" com o qual é possível ir à "Despensa Social" da Junta de Freguesia levantar leite (ou couves ou batata, ou o que lá houver).
Este revolucionário sistema de troca directa rapidamente alastrou à vizinha cidade grega da Trofa onde a assiduidade dos Bombeiros Voluntários passou a ser recompensada, não com o vil metal mas com um sempre oportuno e aliciante "voucher de estadia de uma noite para duas pessoas em unidade hoteleira à escolha", bem como com entradas na academia municipal "para a prática de exercício físico". Apraz-me registar que quem decide, não se limitou a herdar uma língua latinizante dos Romanos mas também a tentação epicurista de ludibriar o corpo (e a alma) do povoléu, com pão e circo.
É verdade que o ano havia terminado com sinais económicos algo confusos e, pode mesmo dizer-se, contraditórios: enquanto Paul de Grauwe, renomado economista belga abria espaço ao "sentimento" no (habitualmente racional) discurso "economês" ao sublinhar quanto "É difícil entender como pode o Governo [português] magoar a população e sentir-se orgulhoso disso" (dessa forma aludindo à via crucis do neoliberalismo), precisamente em Braga o Instituto Monsenhor Airosa anunciava a intenção de alargar a produção e comercialização de hóstias (!!!) ao estrangeiro, não resistindo aos encantos da globalização capitalista, designadamente ao diversificar o produto através da rentabilização das aparas das hóstias (ditas "cacos") como aperitivos.
Nem todos os lugares do Mundo avançam à mesma velocidade... Nem mesmo dentro da mesma cidade: poucas semanas depois da Santa Casa ter revelado que o perfil dos sem-abrigo nas ruas da capital passou a incluir, além de toxicodependentes e alcoólicos, um significativo número de licenciados da classe média e média-alta (ou, do líder parlamentar do maior partido do Governo ter vindo assegurar que "a vida das pessoas não está melhor, mas não tenho dúvidas de que a vida do país está muito melhor", evidenciando assim o divórcio que persiste entre políticas e cidadãos), soube-se que os salários de Henrique Granadeiro, da PT, e de Zeinal Bava, da Oi e da PT caiam em 2013.
O que me deixou, naturalmente, muitíssimo preocupado: Granadeiro viu a sua remuneração cair em 47,46% para 667 457 euros por ano, e Bava em 21,13% para uns míseros 1 013 428 euros anuais.
Só dou graças a Zeus por eles não viverem na colónia Fenícia de Paço de Sousa, tendo em conta a fome que passariam, fosse o seu vencimento pago em couves e batata.
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