A crise social, económica e financeira agravada pelas medidas de austeridade exclusivamente orientadas por metas contabilísticas assumiu dimensões brutais e transformou-se numa crise política que ameaça o próprio regime democrático, desacredita as instituições representativas que o regulam e perturba seriamente as múltiplas formas de mediação com a sociedade civil que cabe aos partidos assegurar. A esse propósito, referia aqui na semana passada dois exemplos de propostas concretas de reforma do Estado capazes de responder à necessidade premente de reconquistar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e cuja aprovação não carece de prévia revisão constitucional nem exige maioria qualificada. Apontava então a diminuição do número de deputados da Assembleia da República de 220 para 180, o mínimo que a Constituição prevê. E a necessidade de acabar com o sistema perverso das listas fechadas que impedem os eleitores de saber quem elegem - uma vez que os círculos uninominais já estão previstos na Constituição e apenas aguardam a iniciativa do legislador. Mas não só é possível como muito desejável ir um pouco mais longe neste caminho.
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Atribuindo à educação um alcance exagerado, os defensores da monarquia hereditária alegavam que o "príncipe herdeiro" era educado, desde o nascimento, para "mandar" - do que resultava uma conjugação extraordinária da excelência da "socialização" com "o melhor" da seleção genética... Porém, a destituição do monarca pelo povo soberano iria tornar politicamente irrelevante essa artificiosa demonstração que hoje, apenas a título simbólico, persiste nas monarquias e, residualmente, no direito sucessório das repúblicas. Nada mais contrário, portanto, à república e à democracia, do que a profissionalização da política que, de facto, sempre acaba por redundar numa perversão oligárquica. Por isso mesmo, a Constituição consagra o princípio da "renovação" que apenas consente dois mandatos consecutivos ao Presidente da República e três aos presidentes das câmaras. Ora, é tempo de generalizar também a limitação do número máximo de mandatos consecutivos, pelo menos, aos deputados da Assembleia da República.
Confesso que, no passado, me repugnou a regulamentação minuciosa das condições de atribuição e desempenho do mandato popular, mas é tão confrangedora a insensibilidade ética às mais patentes aberrações que parece inevitável, numa democracia consolidada, reclamar a intervenção legislativa conformadora também no domínio das incompatibilidades, impondo a regra da exclusividade no exercício do mandato legislativo e pondo freio à liberdade de trânsito de funções governativas para cargos empresariais em setores afins - e vice-versa - única forma de limitar a intolerável promiscuidade que se instalou entre o público e o privado.
Depois da derrota sofrida nas últimas eleições legislativas, em junho de 2011, o Partido Socialista realizou um Congresso e mudou de dirigentes. Consciente de que para construir uma séria alternativa de Governo não basta integrar as fileiras da Oposição e engrossar as hostes de descontentamento que alastra pelo país, o PS encetou uma larga auscultação da sociedade civil e um processo de reflexão interna. Não se ignora o progresso realizado neste caminho, desde a reforma estatutária ao reforço da democracia interna, aos trabalhos do Laboratório de Ideias, à Plataforma de Cidadania, no Porto, ou às propostas de reforma do sistema político, apresentadas pelo novo secretário-geral por ocasião do 5 de outubro do ano passado e que apenas suscitaram pontuais reações "interesseiras" circunscritas à bancada parlamentar. Neste quadro se compreende a ponderação das intervenções políticas do PS: a demissão de um governo maioritário, aliás, pode não ser o sinal de partida para uma campanha eleitoral. Assumindo as responsabilidades próprias nas políticas que conduziram o país à dramática situação presente, é tempo de o PS propor soluções audaciosas que prometam aos eleitores uma alternativa política séria.