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De passagem por Lisboa no princípio desta semana, para receber o doutoramento "honoris causa" que lhe foi oferecido por 3 universidades da capital, Paul Krugman concedeu uma entrevista à RTP e ao "Jornal de Negócios" que, inevitavelmente, recaiu sobre a situação da nossa economia e o atual impasse europeu, assuntos que desde sempre vem seguindo atentamente. É claro que para aqueles que esperassem revelações sensacionais ou remédios milagrosos, a entrevista só podia saldar-se numa total deceção. Pelo contrário, assumindo as incertezas que pairam sobre o destino das sociedades contemporâneas, as declarações de Paul Krugman primaram pela modéstia e o seu principal interesse residiu precisamente no olhar amplo e distanciado que lançou sobre os problemas da Europa e o seu presente desconcerto. Em algumas questões, porém, o seu pronunciamento foi muito claro e incisivo. Por exemplo, na condenação categórica da obsessão germânica com o equilíbrio orçamental e as políticas de austeridade, que apenas podem conduzir ao agravamento da situação económica e social. E pelo que nos diz respeito, foi impiedoso no reconhecimento da extrema impotência e vulnerabilidade que caracterizam a situação atual de Portugal, cuja margem de autonomia política comparou à de um estado federado, concretamente, ao governador de New-Jersey...
Há algum exagero nessa comparação: Berlim não é Washington! Mas as limitações da soberania da República Portuguesa, submetida às duras condições do "resgate" em que se deixou resvalar, são bem reais e dolorosas. E implicam, por muito que nos custe, que os termos do memorando de entendimento assinado com a Europa e o FMI, definam um limite efetivo a essa autonomia. Não implicam, porém, que o Governo constantemente invoque o memorando para furtar a interpretação e a aplicação que dele faz, ao debate e ao confronto com interpretações alternativas, reduzindo a governação democrática a um exercício autoritário, centralista e tecnocrático. Não justifica que por esse expediente o Governo transforme o mandato popular que recebeu nas eleições legislativas em acatamento servil e incondicional da cartilha económica ditada por Berlim que ameaça levar a Europa à ruína. Nem pode servir para fundar a pretensão de que as graves carências que vivemos fechem as portas ao pluralismo, à participação democrática e à necessidade urgente de medidas mobilizadoras que não se conformem com o crescimento galopante do desemprego nem se resignem ao fatalismo do declínio social, económico e cultural.
Também no princípio desta semana, o programa Contracorrente, da SIC, exibiu um documentário de excecional qualidade realizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos - Nascido para viver - onde se conta a história verdadeira de como Portugal, um dos países mais atrasados da Europa, ainda nos anos 80, em matéria de saúde materno-infantil, se conseguiu transformar, entretanto, num dos países com a taxa de mortalidade infantil mais baixa de todo o Mundo. "Como é que isto foi possível?" é a pergunta, logo formulada na abertura, a que o filme justamente pretende responder. O milagre dispensou a pompa e circunstância do Conselho Ministros e não careceu da afetação de especiais linhas de crédito nem sequer de financiamento significativo. Como luminosamente nos explica o pediatra Octávio Cunha, coautor do relatório, os ingredientes deste êxito - que assinalou a passagem de Leonor Beleza pelo Ministério da Saúde - foram a vontade política firme e o escrupuloso respeito pela autonomia técnica da 1.ª Comissão Nacional de Cuidados de Saúde Materno-Infantil, integrada por uma equipa de profissionais de indiscutível competência e total dedicação, empenhados numa missão que quiseram assumir como sua. E por aqui se demonstra que a escassez de recursos não significa a condenação ao conformismo e à mediocridade. Bem pelo contrário, as adversidades que nos atormentam deviam ser encaradas como um estímulo à nossa imaginação e um apelo à nossa generosidade.