<p>"As obras públicas são fantásticas para criticar na oposição e maravilhosas para inaugurar no poder. E muitas vezes até se inaugura de bom grado uma obra que se criticou de forma veemente". A declaração de um administrador da Soares da Costa ao "Diário Económico" leva água no bico. Foi proferida no âmbito do processo de contestação de grandes empresas de obras públicas ao adiamento de projectos como o TGV e o novo aeroporto internacional de Lisboa. Nem por isso deixa de ser pertinente, enquanto expressão de uma atitude há muito instalada: quem está no poder quer deixar "marca" - física, de preferência de betão -; quem aguarda a sua vez valoriza os "contras" e faz por esconder os "prós". </p>
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Os dois "movimentos" antagónicos são produto da tensão que faz parte do jogo democrático. Mas tendem a roubar clarividência à análise e espaço ao debate sério e transparente em torno das opções mais acertadas. Tome-se o exemplo de Alqueva. Acalentado durante décadas, o empreendimento multiplicou expectativas até à irritação (lembram-se do "construam-me, porra!"?) Quando finalmente ficou pronto, só em parte correspondia às necessidades inicialmente identificadas. Hoje, é um "projecto integrado", chavão que lhe empresta tonalidades modernas. E no entanto as valências agrícola e energética perdem cada vez mais terreno em favor da turística.
No TGV e no aeroporto podem muito bem vir a acontecer idênticas mudanças de "perfil", por força do "pára-arranca" a que temos assistido. O que há um bom par de anos parecia consensual, tornou-se pretexto para que Governo e PSD se travem de razões. As linhas definidas para a alta velocidade desviaram-se e o aeroporto rumou ao Sul. Agora, recolhidos os projectos numa gaveta, fica-se com a sensação de que tais alterações não eram para levar a sério.
Continuamos é sem ter a certeza de que suspender aquelas duas grandes obras públicas é, para o país, melhor do que prossegui-las. Os argumentos esgrimidos ocultam mais do que revelam. Em que medida se trata de instrumentos de desenvolvimento, capazes de ajudar a arrancar Portugal da posição periférica na economia europeia, como defende Sócrates, que os encara como investimento? Por que representam um peso para as gerações futuras e não são aconselháveis em tempo de crise, a tese de Manuela Ferreira Leite, preocupada sobretudo com a despesa?
A vitória política do PSD, essa, salta à vista. Na ponta final da legislatura, incapaz de inverter o sentido dos ponteiros do relógio, o Governo socialista pode exibir como trunfo medidas que vieram para ficar, como o Inglês no ensino básico e a aposta nas energias "limpas". Mas falta a Sócrates o seu Alqueva ou o seu Centro Cultural de Belém.