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Cavaco Silva fez bem em convidar os seus antecessores a discursar por ocasião das comemorações do 25 de Abril. Dir-se-á que nada de novo se ouviu mas, como se pode constatar da leitura da imprensa internacional, Cavaco conseguiu, para Portugal, uma excelente manobra de propaganda no estrangeiro. A imagem de unidade de pontos de vista entre chefes de Estado acentua, perante o exterior, a ideia de que existe coesão nacional e um clima de entendimento, e contraria a impressão de antagonismo entre as lideranças partidárias que preocupa quem nos observa de longe.
Ainda assim, é natural que os partidos combatam entre si, numa altura em que se aproximam as eleições legislativas. No caso do PS e PSD, a luta é sem quartel porque as suas lideranças estão a disputar um combate de morte. Sócrates e Passos Coelho sabem que aquele de entre eles que perder as eleições estará condenado, na noite eleitoral, a apresentar a sua demissão e a vagar a liderança partidária. Nos dias seguintes, o sobrevivente terá a responsabilidade de procurar um consenso que lhe permita formar governo com uma maioria parlamentar sólida e provavelmente terá de negociar com a nova liderança do principal adversário. Por essa altura, as armas de arremesso já terão sido convenientemente enterradas, e é bem provável que seja possível o consenso pelo qual se clamou em Belém. E por isso é bom que os anteriores chefes de Estado e o actual presidente da República alertem para a imperiosa necessidade de um entendimento a partir de 6 de Junho, embora não fosse natural, nem sequer desejável, que ele ocorresse antes do acto eleitoral.
No entanto, e numa situação em que Portugal negoceia a ajuda externa e terá de se submeter a um duríssimo caderno de encargos ainda antes de se saber qual será o partido vencedor nas eleições, é importante que os dois maiores partidos consigam uma base mínima de entendimento, e evitem tornar públicas as suas divergências, o que pode perturbar as negociações com a "troika". Nesse aspecto, o prudente silêncio do CDS, que Mário Soares elogiou na sua crónica no DN, deveria servir de exemplo a PS e PSD. Aliás, Soares tem vindo a desempenhar, publicamente, o papel de mediador que se esperava do actual presidente da República. As suas posições prudentes, os seus conselhos avisados e a sua recente visita à sede do PSD, revelam sentido de Estado e contrastam vivamente com o aparente alheamento de Cavaco. Ainda que se desconheça o que se passa nos bastidores, e mesmo admitindo que o presidente esteja a desempenhar o seu papel com competência e total discrição, há um crescente desapontamento quanto à forma como tem actuado. E se é certo que esta sua iniciativa do 25 de Abril foi louvável, também é verdade que o seu discurso, na circunstância, soou como um mero exercício de retórica. Mais: deixou a desagradável sensação, a quem ainda se lembra do seu anterior discurso, por ocasião da sua tomada de posse, de que a sua actuação em nada se tem vindo a adequar ao que as suas palavras de então prediziam ou vaticinavam.
Ainda que a Constituição restrinja os seus poderes, a verdade é que os portugueses têm uma noção presidencialista do regime. Muitos ainda não perceberam a dimensão da crise, e têm sido entretidos pelas acusações cruzadas entre PS e PSD sobre quem precipitou os acontecimentos. E, nesta conjuntura, sentem-se órfãos deste presidente, de quem esperariam que os esclarecesse e lhes desse a garantia, mesmo que ilusória, de que tem as rédeas do poder nas mãos e de que não deixará de intervir para garantir o tal entendimento de que se falou em Belém.