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A política portuguesa está profundamente previsível e insonsa e a maioria dos políticos cada vez mais parecidos com os jogadores de futebol, que antes de abrirem a boca já se sabe o que vão dizer
Mal se acabe o Carnaval, a política regressa em cheio. Na quarta-feira, Cavaco Silva pronuncia o seu discurso de posse para um segundo mandato e, no dia seguinte, a moção de censura do Bloco coloca os partidos e o Governo no centro das atenções. Uma coisa e outra pouco adiantarão, infelizmente, para que o país possa sair desta situação triste, empastelada, em que se encontra, todos os dias à espera que o Governo marque pontos ou caia, que o PSD, entre as muitas hesitações de que dá mostras, considere que é altura de avançar, enquanto Sócrates se vai vitimizando e vendo vitórias onde os adversários só vêem mentiras. A política portuguesa está profundamente previsível e insonsa e a maioria dos políticos cada vez mais parecidos com os jogadores de futebol, que antes de abrirem a boca já se sabe o que vão dizer.
Veio de Jorge Sampaio e de Rui Rio o sal desta semana. O apelo do ex-presidente para que os partidos se entendam é genuíno. O de Rui Rio foi diminuído pela declaração de Santana Lopes que o quer a ele líder em vez de Passos Coelho. O que Rui Rio disse (não basta uma mudança de Governo, é preciso mudar de regime) poderá fazer sentido, mas a "presença" de Santana Lopes distorce a mensagem, pelo menos enquanto não houver uma clarificação. Mário Soares, recorde-se, também já apelou a amplos entendimentos partidários e na velha guarda apenas Cavaco, curiosamente o único que poderia promover esse encontro, se mantém arredio. Quarta-feira, no seu discurso fará um retrato do país que já todos conhecemos e só se espera que seja claro no que disser e se possam dispensar os habituais oráculos que mais tarde o interpretam. O país dispensa bem as meias frases e os recados nas entrelinhas. Clareza teve, sem meias palavras, António Barreto, em entrevista, ontem, ao "Expresso", falando também - eu diria obviamente - na necessidade de um "entendimento alargado", o tal "pacto nacional, social, económico e político, a reforma do Estado e da Constituição".
É cada vez mais claro que a solução não está num só homem nem possivelmente num só partido. Passos Coelho começa a ser contestado internamente - sinal de que arrumou a casa e de que o Poder pode não ser uma miragem, mas também sinal de que os sociais-democratas podem não ser ainda totalmente confiáveis.
Mais do que nos dizerem se o FMI deve ou não vir, se isso é uma derrota para uns e vitória para outros, mais do que transformarmos o nosso dia-a-dia numa luta de classes patrões-operários, num enorme sobressalto para quem vê as condições de vida a piorar, antes de o transformarmos numa enorme manifestação em que, hoje uma corporação, amanhã uma geração lançam mais um protesto, antes de tudo isso, ou por causa de tudo isso, não será possível o entendimento alargado de que fala Barreto, as plataformas de entendimento que agradariam a Sampaio ou a mudança de regime apontada por Rui Rio? Até quando continuará a esticar-se a corda?