As ditaduras assentam em arbitrariedades que constituem a sua lógica de funcionamento e as regras de comportamentos sociais que ultrapassam o contexto estrito do exercício do poder.
Corpo do artigo
Entre nós, o salazarismo moldou figurinos, à imagem do seu caráter autocrata, no âmbito do funcionamento de serviços e instituições que, felizmente não foram universalmente acolhidos e que, após o fim do Estado Novo, foram eliminados como não sendo naturais e aceitáveis. Mas existiram e serviram para violentar pessoas. Não o podemos nem devemos esquecer sobretudo quando, através de retóricas oportunistas ou demagógicas, mesmo que incidindo em erros e desmandos inaceitáveis, se procura subverter a superioridade cívica da ética democrática, a qual permite, desde logo, que estes desvios sejam criticados e até julgados.
Tiveram lugar na ditadura episódios do quotidiano que se procuraram instalar como decorrentes de padrões do senso comum ideologicamente neutros e moralmente edificantes mas que não podem escapar a uma memória que deve ser portadora de testemunhos de vida, por isso vitais para o presente e para o futuro.
Houve serviços em que, sem esclarecimentos, se condenaram os utentes a tempos de espera dificilmente admissíveis, acabando-se por arrogantemente se gritarem ofensas e, quantas vezes, despejos para os dias seguintes. O analfabetismo de que muitos cidadãos eram vítimas chegava a ser castigado com o desprezo que moldava as correções dos termos por aqueles mal utilizados. Em várias escolas, os responsáveis aplicavam impunemente, eles mesmos ou através de empregados subservientes, castigos corporais, suspensões e expulsões, punições dificilmente contrariadas, mesmo que exageradas ou incorretas. Nas universidades, a PIDE era chamada para suster reivindicações, enquanto a polícia, se havia manifestações, invadia todos os espaços, inclusive os cafés circundantes onde qualquer cliente era suspeito. Entretanto, grupos de pessoas eram vigiados por poderem ser núcleos conspirativos.
E havia as denúncias feitas pelos chamados "bufos", geradoras de uma sistemática desconfiança em relação a terceiros, mesmo que se tratasse de alguém próximo e até de um suposto amigo.
Práticas a todos os títulos humanamente inaceitáveis...
Prof. do ISCET-Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo/Obs. da Solidão