Para onde vai o Egito?
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Foi breve a primavera egípcia. Em julho deste ano, dois anos depois da revolução democrática que acabou com sessenta anos de ditadura militar, um novo golpe de Estado destituiu Mohamed Morsi, o primeiro presidente democraticamente eleito no Egito. O presidente deposto foi encarcerado e os militares escolheram gente da sua confiança para formar um Governo provisório. Paulatinamente, nova legislação fortemente repressiva veio impor limitações crescentes à liberdade de reunião e de manifestação, para travar os protestos que irromperam, primeiro, das fileiras dos apoiantes do presidente Morsi e que, mais tarde, progressivamente se alargaram aos restantes setores democráticos, religiosos e laicos, à medida que se tornava evidente que os planos dos golpistas nem pelos mais elementares princípios democráticos se deixavam condicionar.
Na passada quarta-feira, o atual Governo da confiança dos militares declarou a Irmandade Muçulmana como uma organização terrorista, sem qualquer esforço de demonstração e sem exibir qualquer elemento de prova. Trata-se, nem mais, nem menos, de condenar à clandestinidade a maior força política do Egito, vencedora de todas as eleições realizadas em liberdade, desde a revolução de janeiro de 2011. Desta forma, foram transformados em criminosos não apenas todos os seus membros, mas também quaisquer cidadãos que se achem envolvidos nas suas atividades, que lhe prestem apoio financeiro ou que, simplesmente, por ela manifestem simpatia. A ilegalização da Irmandade Muçulmana é o último passo de uma feroz perseguição que incluiu o assassínio de centenas de dirigentes do movimento e a prisão de milhares de ativistas desde o verão passado.
O pretexto agora invocado pelo Governo para decretar a sua ilegalização foi o atentado suicida contra uma esquadra da polícia que ocorreu próximo da capital e vitimou 16 pessoas, embora tal ato criminoso tivesse sido publicamente condenado pela Irmandade Muçulmana e reivindicado por um outro grupo, a "Ansar Beit Al Maqdis". Esta é uma organização radical, próxima da Al Qaeda, que se distanciou da Irmandade Muçulmana, de cuja moderação é crítica feroz, desde o golpe dos militares, e que elegeu os agentes das forças de segurança como alvos preferenciais das suas ações violentas. ("Egypt declares Muslim Brotherhood a terrorist group", de Kareem Fahim, in "The New York Times", 25 de dezembro de 2013).
Com grande parte dos seus dirigentes presos ou assassinados, as fileiras da Irmandade Muçulmana estão desorientadas e por isso mais vulneráveis às tentações de radicalização da ação política e aos apelos à violência de grupos extremistas como a "Ansar Beit Al Maqdis". Nem sob o velho ditador Hosni Mubarak, há muitas décadas que as perseguições à Irmandade Muçulmana não atingiam esta violência. Na semana passada, era a vez de três dirigentes emblemáticos do movimento secular democrático - Maher, Doma e Adel - serem condenados a três anos de prisão, por resistirem à nova lei que confia ao ministro do Interior a competência para autorizar manifestações. O que sobra, enfim, da revolução democrática?
Com o Governo a fazer da "guerra contra o terrorismo" a sua máxima prioridade, o risco de generalização da violência armada e de explosão de uma guerra civil é, nas atuais circunstâncias, cada vez mais elevado. Por isso, não se compreende a passividade com que a comunidade internacional assiste à escalada repressiva e ao contínuo agravamento do conflito, quando são bem conhecidos os poderosos meios de dissuasão, financeiros e logísticos, que as potências ocidentais - os Estados Unidos e a Europa - conservam sobre os militares egípcios...